Folião Nervoso

Nos primeiros dias da semana pré-canavalesca ele teve agravados os achaques típicos da idade.Ficou irritado e quase intratável, o que surpreendeu todo mundo haja vista que é conhecido como uma pessoa afável e bem-humorada.

O que lhe causou essa irritação, segundo ele, foi o fato do carnaval estar completamente descaacterizado. "Já não se faz mais carnaval como os de antigamente!", disparou saudoso e irritado. Homem de uitas amizades e bom ouvinte, até os amigos quase não o reconheceram, ficou chato, nervoso, agressivo e simplesmente monopolizou o papo, sempre pichado o carnaval de hoje; "Que esculhambação, gente, cadê as marchinhas de antigamente? Cadê o frevo rasgado?"., desabafava irritado. E, vira e mexe, cantarrolava desafinado, uma marchinha dos bons tempos:

"Ah, se eu tovesse, que me fizesse carinho,/ não levava a vida assim, que eu levo, sozinho".

E saudoso, sem conceder nenhum aparte aos companheiros, recordou emofionado:

"Era uama festa maravilhosa, talvez porque a vida fosse mais amena e menos complicada. O fato é que a gente s sentia mais feliz e, portanto, era mais alegre. Tem mais: essa sensação de felicidade não s devia a nenhuma alienação. Na verdade, naquele tempo, as pssoas eram muito mais instruídas do que hoje quando só se faz o que a máquina de fazer doido (a tevê) manda. Havia aum espíirito comunitário, muita fraternidade e solidariedade. Aquela alegri incontida, sadia e sincera, que explodia no carnaval, era resultado da vivência do cotidiano que, no carnaval, adquiria mais força porque perdíamsos por completo a inibição. Esquecíamos qualquer resquício de puritanismo, mas nçao perdíamos o senso e nem a cordialidade; nem muito menos apelávamos para quaisquer tipos de violência ou safadeza". Nesse ponto das suas reminiscências ele fez uma pausa, tomou um gole de cachaça, cuspiu e cantarrolou outra marchinha:

"Você pensa que cachaça é água? Cachaça não é água não,/ cachaça vem do alambique e água vem do ribeirão".

Continuou a arenga:

O forte era mesmo o carnaval de rua, heranaça do antigo entrudo. Não com a molecagem de hoe. A brincadeira era sadia: a gente invadia ascasas para dar e tomar banho. E, claro, para beber e comer. Érasmos recebidos com alaegria. E haja cachaça, licor, bate-bate, rum e cerveja. E muita água porque carnaval sem banho não era carnaval de verdade. Nas ruas as troças comandavam a animação. Passávamos o dia quase todo brincando pra cima e pra baixo, sempre cantando marchinhas. Não essas porcarias de hoje que só apelam para a baixaria. E, graças a Deus, inexistia a praga abominável dessa música eletrônica e esse axê music que nada têm a ver com o carnaval. As marchinhas daquele tempo eram arretadas, bem-feitas, alegres, veradeiras jóias musicais. Era o caso, por exemplo, de "Chiquita Bacana", aí cantarrolou a marchinha:

"Chiquita Bacana, lá da Martinica/ se veste coim uma casca de banana nanica/ não usa vetido, não usa calção./ Inverno pra ele é puro verão./ Existencialista, com toda razão..."

Retomou a arenga:

"Pois é, as marchinhas falavam até de existencialismo, certo? Vejam bem, hoje fala-se muito nos árabes, é um assunto da moda. Só que nos bons tempos a gente já falava nisso e com muito mais graça e conhecimento de causa. Lembram-se da marchinha?

"Ô Alá, Ô Alá, eu quero, eu quero encontrar/ aquela que roubou o meu olhar, pois ela é a princesa/ morena mais linda de Bagdá, Ô Alá..! / Mas se eu fosse Aladim, era fácil para mim outro amor encontar..."

E havia as clássicas:

"Se você fosse sincera, ô ô ô Aurorra/ Mas que bom que bom que era...".

"As águas vão rolar, garrafas cheias eu não qero ver sobrar..."

"Ai morena, seria o meu maior prazer/ passar o carnaval contigo, beijar a tua boca e depois morrer...".

Tomou mais outra lapada e prosseguiu:

"À tardinha tinha o corso. Era lindo. Mais ou menos às oito da noite a gente recolhia o time, a para casa descansar um pouco, no máximo uma duas horas, porque às dez, dez e meia, estávamos de volta ao batente.digo à folia, no baile dos clubes. Ah, os bailes de carnaval! Eram incríveois, animadíssimos, iluminadíssimos. Os clubes eram todos decorados com motivos carnavalescos. A orquestra não parava de tocar um minuto. Grande parte dos folioes usava fantasias: colombinas, pierrôs, arlequins, baianas, piratas, marinheiros e marinheiras... E as batalhas de confetes e serpentinas?11111111 Agora, havia um acessório que era mesmo indispensável: os lanças-perfumes. só eram usados no carnavl. E se faziama mal à saúde, s refrigerantes que servem para desentupir pias também devem causar o mesmo efeito, mas ningu´pem diz nada. O cheirinho do lança-perfume ficou para sempre na nosa lembrança, juro que ainda sinto aquele cheirinho arretado. E um detalhe: os lanças-perfume não eram usados só para tomar porres, mas também para "xiringar" nas colombinas, especialamente nas coxas delas.

Cantarrolou a última marchinha:

"Ah, quarta-feira ingrata cheg tão depressa/ só pra contrariar..."

Encerrou a arenga saudosa:

"É só havia um momento triste: era quando ia findando a erça-feira gorda e entravámos na quata-feira ingrata, no final do baile, quando a orquestra tocava essa marchinha. Ela fazia mesmo chorar, mas que fazer? Ora, brincar adoidado os últimos momentos do carnaval e nos despedir do einado de Momo. Fepois ir para casa, dormoir, acordar de ressaca e voltar ao normal; Ah, que saudade dos carnavais de antigamente".

O folião está nevoso, a famaáilia vai levá-lo para a praia. Inté.

Dartagnan Ferraz
Enviado por Dartagnan Ferraz em 10/02/2018
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