Madrugada Sertaneja

Quando assumi meu emprego no Banco do Nordeste, em Pesqueira, no ano de 1964, foi dois meses depois do golpe de primeiro de abril. Ainda havia comemoração de alguns setores e inclusive festas e muitos discursos no rádio elogiando os militares. Mas a cadeia estava cheia de presos: todos camponeses da famosa Liga Camponesa.

Lembro até que, escondido, alguns membros da Pastoral da Terra e do Sorp, vendiam livros para ajudar os presos políticos. Comprei dois desses livros que li avidamente. O primeiro deles foi "Até quarta, Isabela", de Francisco Julião e o outro foi um livrinho bem fininho com poemas de Thiago de Mello. O livro de Julião era uma carta que ele escreveu de dentro do cárcere para a f filha recém-nascida. Uma frase desse livro unca esqueci: "Amor é oferta permanente e renúncia de todos sos dias. É mais, porque eé dádiva e humildade". Do de Thiago de Mello lembro alguns versos do Estatuto do Homem e um verso de um poema inesquecível, "Madrugada Sertaneja", onde ele cantou: "Faz escuro mas eu canto/ porque a madrugada vai chegar".

Pensei muito nesss livros ontem depois que recebi a visita justamente de um religioso que me vendeu esses livroshá tantos anos. Lembrei a ele a frase e o verso, e ele me disse que continuam atuais, e lembrou que eu chorei numa quadra de Pesqueira quando ouvíamos uma conferência de Dom Hélder e ele afirmou: "Quanto mais negra a noite, mais carrega dentro de si a madrugada". Foi verdade.

Sou um homem que acredita no amor e na madrugada, nunca vou deixar de acreditar que amanhã será outro dia. Inté.

Dartagnan Ferraz
Enviado por Dartagnan Ferraz em 01/02/2018
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