FÉ HIPOPÓTAMA
A vingança corre nas nossas veias calada, infiltrada no sangue como hábil espiã. Pode ficar assim durante todo o tempo que o nosso coração bater, sem dar qualquer sinal de vida. Mas basta uma fagulha fora do tom ou uma derrapada que não constava do roteiro e pronto. Lá virá ela, com garbo de rainha, pra fazer valer seus chicotes e suas lanças com ponta envenenada. E fará um estrago danado, devastando paisagens paradisíacas que pareciam intocáveis. Mostrará suas presas insaciáveis com calma de monge, sem pressa pra revirar do avesso nossa alma, deixando-a de quatro à míngua e ao relento eterno. Vingança não é papel para ser desempenhado poer amadores. Exige compassos afinados, disciplina de madre-superiora alemã e energia de sobra pra não jogar a toalha antes do final do segundo tempo.Vingar alivia dores, aplaca inconformismos e coloca no cortume das saciedades as frustrações que nos impediam de caminhar, se sonhar, de ancorar. Quem vinga precisa das bênçãos dos ventos, da luz e do silêncio pra deixar o leme frouxo e nem o gosto mais amargo do que deveria. Vivemos nos vingando das sombras relapsas do nosso cotidiano os estopins mal deflagrados e mal cerzidos. Vingar perdoa rasteiras, guinchos agudos sem remetente e fronhas puídas se esgarçando na fé hipopótama, seja fé hipopótama o que for.
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