Acima das nuvens
Estamos voando tão alto que não se pode assegurar que aquilo lá embaixo são nuvens ou ilhas. Mas se há um mar lá embaixo, só pode ser o Mediterrâneo, de goela aberta esperando a presa. Que pode ser nós aqui neste pássaro de ferro. Isola, bate na madeira!
A aeromoça distribui facas e garfos e todos os guerreiros se atiram sôfregos às coxas de galinha e aos salmões defumados. Alimentam-se para as batalhas que vão travar. Em Atenas ou Paris há comandantes esperando, impessoais às vezes, mas sempre comandantes, rígidos, inflexíveis. É preciso estar em forma para não perder e ser jogado de lado. A luta é dura, a concorrência é implacável.
A rotina é estúpida, os guerreiros alimentando-se de postas de salmão e coxas de galinhas querem as mesmas coisas, adoram os mesmos deuses com nomes diferentes e vão aos shopping -enters como quem vai à missa na igreja. As línguas são diversas, mas a imbecilidade pode ser expressa em qualquer idioma e não é difícil adivinhar o que falam. Os temas são o tempo e as vidas alheias.
O cansaço me toma todo. Desinteresse. Estou por aqui com guerras, política, diplomacia, “negócios” e pessoas importantes. É preciso achar outros interesses, outras motivações. Aprender a escrever e... escrever. Escrever pode ser uma saída.
Mas me pergunto: para quê?
((Escrito a bordo de um avião da Air France, entre Jeddah, Arábia Saudita, e Genebra, Suíça, em 19/08/1976)