Papel e Poder

(Reflexões delirantes a bordo de um avião da Air France, de Jeddah a Genebra, em 19/08/1976. Hoje, 23/01/2018, 42 anos depois, a ameaça imaginada parece suave comparada à realidade)

Posso falar por imagens, pelo menos tentar. Mas hoje não. Digo direto: não há esperança quanto à liberdade individual. Estamos sendo, pouco a pouco, dominados pelo Estado, pela burocracia e seu mais fiel acólito: o Papel. Numerados, carimbados, protocolados, espionados. Se você não tem um número você não é nada. Tenha o número, pois. O mais que puder, melhor.

Mas fico rindo do que lhes espera. Vejam só:

7, 8 e 3, fiquem com a América do Norte;

9, 4 e 0, querem a África e Oceania?

1 e 2, tomem a Ásia e carinho especial com o Oriente Médio;

5 e 6, vosso reino e meu país e meu continente.

Um dia, os maços se rebelaram, os processos se subverteram, as gavetas se esvaziaram.

As prateleiras aliviadas assistiram à lenta, mas inexorável marcha do Papel em direção ao Poder. E não houve fogo que o detivesse, insetos que o destruíssem, deuses a que atendesse. O Papel veio, viu e venceu, para horror dos incautos que, agora, sugam e se alimentam do pó dos arquivos.

(Em algum espaço aéreo, 19/08/1976)

William Santiago
Enviado por William Santiago em 24/01/2018
Código do texto: T6234675
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2018. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.