O novo mundo
Eu posso ouvir seus pensamentos por detrás de suas máscaras vazias e superficiais. Eu enxergo em suas retinas os olhares de julgamento e de lamentação. A calamidade de tais julgamentos gera calafrios em minha espinha, e eu me deparo, com estranheza, com um mundo ao qual sinto não pertencer. Me viro para os lados e só enxergo pessoas que dançam como marionetes, e um baile de fantasias que segue intermitentemente, até que cada um ceda ao estágio conhecido como morte. Ainda não sei qual seria meu lugar frente a esta falsa folia, na qual todos se obrigam a acreditar. O bem mais precioso de cada qual - aquele que nos é dado em nossos nascimentos, para carregarmos durante nossos trajetos, e devolvermos no fim de nosso percurso neste plano - tem se resumido apenas à uma chuva de exigências impostas não por nos mesmos, mas por pessoas, às quais sequer sentimos alguma afeição, para que possamos ser inclusos em seus seletos grupos de “bem-sucedidos, sem sucesso algum”.
Recebemos sorrisos, que esbanjam falta de sinceridade, e um aperto de mãos por abaixarmos a cabeça e nos sujeitarmos a seguir o caminho que nos foi predeterminado ainda mesma em nossa fase fetal. Para aqueles mais ousados, que tem o ato rebelde de se voltar contra tal doutrina, resta apenas as feições desgostosas de uma sociedade perdida nas sombras de sua própria hipocrisia. No final, seus pecados não serão esquecidos. Esteja onde estiver, vivo ou morto, rico ou pobre, a hora há de chegar. Os erros cometidos somente podem ser apagados à base de sangue e lágrimas daqueles por quem foram cometidos.
As lembranças ainda me vêm à cabeça, e vejo com nitidez o seu sorriso sádico, enquanto me deixava para morrer logo após o braço mais caloroso de nossas vidas. Foram de fatos tempos difíceis. O tempo não passa da mesma forma quando se está sozinho no escuro. Estaria mentindo se dissesse que todas as mágoas obtidas por uma vida tão melancólica foram curadas. De fato, consigo me esquecer de alguns fragmentos, mas cada castigo aplicado a mim ainda está marcado em minha pele, e sempre que olho para as marcas, parte do ódio retorna ao meu ser, e novamente sinto vontade de guiar minha existência por rumos que até mesmo eu desconheço. No final, volto a mim mesmo depois de muito batalhar internamente. Não serão seus erros que me enviarão ao inferno... pelo menos não hoje.
Os dias parecem ter passado mais rápido para uns do que para outros. Eu não tenho pressa alguma, afinal apressar os anos implica em apressar sofrimentos. Provavelmente não nos encontraremos mais, e assim eu desejo. Não desejo que sua presença alveje com nebulosidade e sujeira os caminhos por onde eu passarei. Não me sujeitarei mais a tamanha tortura. Como um pássaro que morre e ressuscita das cinzas, eu me reergo agora, e declaro que deste momento em diante minha existência se baseará apenas em guiar minhas asas rumo a cada um de meus sonhos, enquanto a trilha deixada por mim rumo aos céus torna-se a luz que iluminará o céu de um novo mundo. E que fique dito.