Paixão de verão... dura a vida toda
Ah, aquele verão... mudou a minha vida. Foi quando eu o conheci. Negro, com aquelas duas bolitas verdes tão atraentes como que piscando para mim. Achei fantástico, nunca tinha visto! Eu era muito jovem, e de início, foi a minha curiosidade que me conduziu. Eu me senti assim meio encantada, só o mirava de longe. Alguém falava com ele, fiquei observando.
O pouco que eu sabia era que ele era brasileiro, alguém me havia dito. Mas era tão diferente, tão exótico, tão raro, que eu intuía nele algo de estrangeiro. Para os meus olhos, parecia até vindo de outro mundo. (Sabe aquela sensação quando se abrem os nossos horizontes? Quando a vida e as suas possibilidades parecem se ampliar além do máximo que ousaríamos imaginar até então? Assim eu me senti, desde aquele verão.)
Quando percebi que ele ficou sozinho, juntei toda a minha coragem e, devagar, com cuidado, me aproximei, tentei uma abordagem, procurei iniciar uma conversa. Logo descobri o que me soava tão estranho nele: era a linguagem. No início, parecia com inglês, e eu nem sabia inglês. Tudo que eu conseguia dizer eram apenas algumas expressões bobas, que pelo jeito ele nem entendia. Mas ele sempre parecia disposto a acatar o que eu tentava lhe dizer, por mais atrapalhada que eu estivesse. E nunca se irritava. Há quem chame isso de empatia. E o modo dele me responder, seu jeito de se expressar, era tão simples, tão elegante... Eu me apaixonei! E então achei melhor aprender a sua linguagem.
Lembro que, para isso, aquele misterioso livro azul ajudou bastante. A encadernação de couro parecia a de um diário, e o nome dele estava gravado em letras douradas na capa. Não tive dúvidas: “peguei emprestado” quando ninguém via... Lembrando agora, essa travessura foi a melhor coisa que fiz. Li todinho naquele verão. Descobri tanta coisa sobre ele! Foi o que fez rolar a nossa interação; de outro jeito, não sei como teria sido possível. Fiz descobertas tão marcantes, que consultei o tal livro de novo e de novo. Queria muito saber mais, aprender a me comunicar, a fazer as coisas acontecerem.
A nossa comunicação foi muito básica, bem basic mesmo. E se ele reagia diferente do que eu esperava, aprendi que eu precisava me expressar melhor. E o mais fascinante era o jeito como eu sempre podia pedir qualquer coisa, que ele me atendia. (Quem não deseja dispor, na sua vida, dessa obediência, assim tão plena?) :-) Aprendi rapidinho umas palavras mágicas para começar e terminar as conversas, expressões para declarar os valores que considero importantes, e, claro, palavrinhas de comando.
Ah, quando lembro daquele verão… ele realmente mudou a minha vida. Definiu até minha profissão. E sem me custar nem uma queimadura de sol! Já faz quase 30 anos que recordo com carinho aquele microcomputador CP-400 e seu manual de programação BASIC.