LAMÚRIAS

A lua estava curvilínea igual a um sorriso. Consequentemente me vinha à tona todos os risos frouxos que deixei perdido em algum canto por aí. A rua do quarteirão de baixo, aquele banco da praça da cidade vizinha, a fila do supermercado, o ônibus desconfortável das seis horas, o muro daquele terreno baldio e a calçada em frente de casa sabem muito bem do que estou falando.

Eu que sempre fui de sorrir à toa, me despi das minhas armas e amaduras, e deixei que aquela névoa amarga tomasse conta do meu corpo por alguns minutos. Míseros minutos foram suficientes para descarregar energia num estalar de dedos. Carregar uma carga cheia nas costas nos impede realmente de tentar de novo. E era dessa forma que eu me sentia.

Não pesava as noites viradas com lágrimas no travesseiro, não machucava as cicatrizes no peito, nem ao menos as feridas mal curadas. O que incomodava era a vontade de viver de novo, a expectativa de ser, mais uma vez, e todo aquele desejo de transbordar luz enquanto a escuridão predominava.

Por justa causa, toda aquela ventania lá fora fazia algum sentido aqui dentro. Dava vontade de alçar vôo e deixar tudo para trás de novo, mas por forças maiores o meu corpo ali jogado no chão do quarto, estava sob melhores proteções.

Dar um passo poderia me desmontar inteira, como um castelo de cartas ao ser pego de surpresa por um assopro. Sem todas minhas barreiras protetoras, estava vulnerável a qualquer palavra dirigida a mim por insignificante que fosse a intenção.

E eu odiava me ver assim. E ter que aceitar. E ter que confirmar... Que de repente me deu tanta saudade de tudo. E confesso que, saudades não é lá o meu sentimento favorito. Não sei sentir. Transbordo. Afogo. E por problemas maiores, não podia fazer nada para matá-la.

E olha que ironia, quem acabou me matando?

Ana Thomazini
Enviado por Ana Thomazini em 16/01/2018
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