Velhos hábitos

Acredita que me peguei sonhando com você? Pois é rapaz, com você! Quem um dia imaginaria que isso iria acontecer novamente... Ah, memórias compartilhadas, histórias vividas, situações em comum nos trazem isso, não? Lembrei-me quando o vi pela primeira vez, nunca tinha sentido algo tão forte; repentinamente caí de amores. Você foi meu melhor amigo, meu amor, quem achei que ficaria em minha vida pra sempre.

De repente você se foi, levou apenas a mala velha que estava na garagem, algumas peças de roupa, o fone de ouvidos e a carta que tinha-me escrito. Pois é a carta, fiquei intrigada com isso. Por que a levaria? Será que era uma maneira de mostrar arrependimento pelo que estava escrito? Que queria voltar atrás? Não lhe cobrei nada...Fiquei sem reação, não sabia mais o que fazer diante desta partida inesperada e, não nego, dolorida!

Meu coração se apagou, ficou vazio, isso por seu medo de se comprometer. Como disse, nem lhe cobrei nada além de reciprocidade que, ao meu ver, é natural a um casal, não? A sensação que eu tenho é que nunca mais me entregarei a outro após essa confusão sentimental. Você não faz ideia de como me magoou, me deixou sem chão.

Por isso o espanto com o tal sonho. Como, Deus, como ele está em meus pensamentos depois de tudo? Ainda nesta reflexão pego um cigarro, sim, voltei ao meu antigo e péssimo hábito, melhor do que o hábito de lhe amar. Ou vieram ambos de uma vez e nem notei? Fica agora o arrependimento de tê-lo deixado passar pela porta de casa, deixado deitar em minha cama e, o maior de todos, deixá-lo conhecer meus sentimentos mais profundos e insanos, diga-se de passagem... sou intensa, bem sentiu.

Deixemos disso, foi apenas um sonho, nada que se torne realidade. Ainda bem, nele você voltava, passava por esta porta e abraçava-me como no primeiro encontro, inédito, caloroso, cheio de esperanças e planos. Como o faríamos, não, após este tornado? Tudo tão confuso, não sei se teria ordem suficiente para colocar as coisas no lugar. Não sei se teria coragem de deixar acontecer.

Já acendi mais outros dois sem nem notar. Realmente voltei ao vício... Pronta para pegar mais outro, escuto a buzina da antiga moto. Imóvel tento racionalizar, me localizar em tempo e espaço. Há explicações disso tudo mas nem sei se consigo fazê-las. Só saltei da cadeira, deixei o maço inteiro cair sem a mínima preocupação. Olhei pela janela e só passou, só avisou que estava a passar... Isso para me deixar maluca, sabia que estava ali. A luz do quarto acesa àquela hora da noite me denunciava. Senti-me, imediatamente, tola.

Achei que o conhecia, achei que sabia o que se passava em seu coração... sua partida era, em meus mais ingênuos pensamentos, apenas uma fuga de alguém que não sabe como lidar com tanta responsabilidade. Mas não, você é cruel, você me mantém para apenas brincar com meus sentimentos... e o pior é que eu deixo. Voltei à cadeira, peguei os cigarros espalhados pelo chão e acendi mais um... Preciso de reabilitação, preciso livrar-me desses vícios. Não me fazem bem e eu tenho que controlar isso tudo. Este foi meu último pensamento, até que, cansada de tanto chorar, caí na cama, realmente exausta. Acho que a luta interna me cansou ainda mais.

Já nas primeiras horas do dia, com a janela ainda aberta - nem lembrei de fechá-la na noite anterior – os raios já quentes do sol me fizeram levantar. Olhei, em vão, para fora e apenas o movimento banal da rua. Peguei a toalha e fui direto pro banheiro. Liguei o som e o chuveiro, deixei a água levar tudo de pesado que tinha, de sujo, de inevitável e tóxico. Pena que era apenas a limpeza da minha pele, dos resíduos do seu corpo no meu. Como faria com o que estava internamente me consumindo? Saí sem esperança nenhuma do banho. Sentei na cama e peguei novo cigarro. Abaixei o som, que já me irritava e, novamente, como música aos meus ouvidos... a buzina. Confesso que senti meu coração sair pela boca. Desta vez não fui até a janela, não deixei que me visse em desespero. Abri a porta após trocar-me. Abri, deixei-a assim e o aguardei. Peguei outros dois maços, coloquei sob a mesa e o aguardei... Novo som, o ranger do portão...Só me ajeitei na cadeira. Poxa, preciso de uma reabilitação!

Sheila Liz
Enviado por Sheila Liz em 15/01/2018
Código do texto: T6226966
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