O VELHO E O MAR
O velho e o mar eram pedaços da mesma alegoria. Um não vivia sem o outro. Um entendia o que o outro sentia, no que o outro sofria, onde o outro reluzia. Faziam parte de um bojo só, não dava para perceber o que foi originalmente de cada um. O mar e o velho viviam numa catarse que nunca arredava pé, encenando uma dança que sempre recomeçava à aproximação do fim. Ambos se entrelaçavam parindo uma casca única, mais forte do que os repentes da desilusão. O velho e o mar tinham os mesmos remendos, os mesmos cabrestos, as mesmas emoções. Sabiam se entender sem precisar de gestos, bastava estarem ali e pronto, O velho e o mar riam juntos, se embebedavam juntos, morriam juntos até quando necessário. Adoravam trocar segredos, deixando as almas se visitarem sem medo de algum revertério, de alguma avalanche repentina, de algum revés não bem-vindo. Velho e mar foram se refastelando nas ribanceiras dos achados, se extasiando diante de cada degrau, diante de cada novo suor que respingavam juntos. Suas rebarbas também se misturavam para tentarem ser menos intolerantes, menos servis. menos cruéis. Um dia um deles não estava mais lá, a vida fez valer sua lei. Constatar as pegadas da ausência fez jorrar uma tristeza nunca antes untada, e que nunca mais se fez menor, nunca mesmo. Não fazia mais sentido prosseguir sem poder ecoar seus sonhos no outro, não fazia mesmo. Não tinha mais razão construir novos atalhos sem o outro para acatar sua euforia, como sempre foi. A morte do mar foi demais para o velho. Agora era só dele a imensidão dos mundos e de mais ninguém.
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