QUANDO A PALAVRA FOI ACERTAR AS CONTAS COM O POETA
Então a palavra resolveu acertar as contas com o poeta. Foram tantos anos usando, abusando, virando do avesso e fazendo o diabo com ela, sem dar nada em troca, nem um simples muito obrigado que fosse. Tanto tempo se apropriando de verbos, advérbios, preposições, conjunções, adjetivos, metáforas e muito mais sem pedir licença. Nem desculpas e nem perdão. Porque muitas vezes o poeta machucou com suas colocações agressivas, deixando cicatrizes que ficarão sempre lá, firmes e fortes. Sem contar as chicotadas, chutes, mordidas, arranhadas e tantas porradas que deu simplesmente juntando vogais e consoantes. O poeta nunca se deu ao trabalho de perguntar se a palavra estava disponível, se tava a fim, se topava, se queria participar dos seus versos, crônicas, poemas e outros desabafos da alma. E ela, com fidelidade canina, nunca fez corpo mole, nunca expressou má vontade, nunca se fez de desentendida. Daí a palavra resolveu colocar as cartas na mesma pra fazer valer seus direitos, já que nunca ouviu um obrigado que fosse. O poeta, com a sensibilidade que só os poetas têm, percebeu que a palavra estava correta nas suas reivindicações e perguntou o que poderia ser feito para reparar uma falha tão grave. A palavra pensou, pensou, pensou, pensou e pensou. Fez voltar na sua memória cada frase escupida pelo poeta, cada pensamento, cada vez em que ele, intrepidamente, abriu seu coração para deixar fluir o que tinha de mais verdadeiro. Daí ela chamou o poeta para falar o que iria querer em troca. Ele se abaixou para ouvir e ela disse: "Muito obrigado".
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