O ABRAÇO DA AVÓ MORTA

Um dia desses fui a Buenos Aires. Lá, na noite gelada, reencontrei, após 17 anos, a única avó que tive na vida. Seu abraço me trouxe uma espécie esquisita de conforto.

O encontro aconteceu apenas no meu sonho. Mas não significa que não tenha sido uma experiência real. Aconteceu, em algum nível de realidade paralela, pelo menos. Para mim, no entanto, foi mais intenso e verdadeiro que quase todos os abraços que já ofereci e recebi.

Nunca havia estado antes na Argentina. Nunca havia estado antes com a minha avó depois de sua morte. Não sei ainda definir o sentimento que causou em mim essa situação.

Não sou exatamente o que se pode chamar de um homem de fé. Não sou também, confesso, um homem amedrontado ou encantado com fantasmas. Tampouco creio em aparições mágicas. São algumas verdades que alardeio intimamente e têm atendido as minhas necessidades, poucas, de entender coisas além da minha jurisdição.

Mas aí veio a minha avó, mais velha ainda do que quando partiu. Ainda me amando e desejando o meu abraço. No roteiro simples do sonho ela havia tapeado a morte, estava bem viva todos esses anos. Doente, debilitada, mas viva. Ficou feliz em me ver de novo após tantos anos. Nosso abraço foi terno e ultrapassou em beleza qualquer narrativa poética.

Sempre fui o neto favorito. Honrava essa predileção com amor verdadeiro, ações nobres e dignas. Ao longo dos 20 anos que convivemos não houve qualquer fratura no nosso afeto, sequer um esboço disso. Era sua atribuição me defender em qualquer tribunal, especialmente o doméstico. Fazia isso com esmero de advogado experiente e entusiasmo de advogado iniciante. Sob sua proteção eu tinha imunidade contra o mundo.

Da minha parte, sempre dispensava um tratamento afável, carinhoso e gentil. Nunca respondia de modo descortês. Nunca faltava com o respeito e outra multidão de nuncas. Acontece que falhei miseravelmente quando minha avó estava no leito de morte. O mocinho da sua história não lhe deu um final feliz. Ela morreu esperando a minha visita. Confesso, com suprema vergonha, que não fui vê-la no hospital.

Não houve desprezo ou maldade na minha omissão. Não me recordo dos motivos ou das desculpas que dei para não ir. Não creio que são relevantes agora. Sempre fui um severo cobrador de mim mesmo por isso. No meu tribunal fui condenado por essa falha. Cumpro desde então, com resignação, tal pena.

Desconfio que minha visita a Buenos Aires faça parte de uma estranha trama. Como nos velhos tempos, minha avó estava pronta a me defender, me absolver de qualquer sentença. Talvez aquele silencioso abraço tenha sido a aceitação do pedido de perdão que nunca tive a chance de fazer.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 04/01/2018
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