Desalento besta

Confesso que sou um molóide. Era assim que me chamava o marido de uma tia. Foi o sujeito mais correto e mais edcado que conheci. Era dono de uma farmácia (no letreiro tinha escrito "Pharmácia Oswaldo Cruz"). Quase todo dia eu aparecia lá, ele logo dizia: - Já chegou, né seu molóide, veio buscar os comprimidos de asmac e filinasma, qu não servem para nada, você devia era fazer exercícoio, respirar nas ruas, seu molóide. Mas me dava sos comprimidos. Na farmácia os empregados também me chamavam de molóide, nunca liguei porque sempre me considerei, até hoje, um molóide, qualquer dorzinho começo a gritar.

Bem, mas vamos ao foco (detesto essa palavra) desta maltraçada. Quando bate a minha porção molóidee começo a sentir um certo desalento, aqela maré de baixo astral começa a pintar no meu pedaço, ai eu começo a ler trechos de livros e principlamente frases do meu caderno escolar. A primeira é o verso de Cecília Meireles: "Liberdade, essa palavra que o sonho humano alimenta/ que não há ningupem que explique e ningupem que não entenda". aí passo para o verso de Geir Campos: "Não canto onde não seja o sonho livre,/ Onde não haja ouvidos limpos e almas/ afeitas a escutar sem preconceito,/ Para enganar o tempo ou distrair criaturas já de si tão mal atentas,/ não canto.../ Canto apenas quando dança,/ nos olhos dos que me ouvem, a esperança". Também radicalizo e eio em voz alta um verso de José Régio, do Cântico Negro: "Ah, que ninguém me dê piedosas intenções./ Ninguém me peça definições!/ Ninguém me diga'vem çor aqui!'/ A minha vida e um vendaval que se soltou/ É uma onda que se alevantou./ É um átomo a mais que se animou.../ Não sei or onde vou./ Não sei para onde vou./ - Sei que não vou por aí".

Mas aos pucos vou me aquietando, voltando ao normal, vou ficando mais leve, me bate até uma alegria sem motivo, então começo a me desligar das broncas e a uvi musica. E a primeira que ouço é sempre uma cnção aniga de Sílvio César que diz num verso: "Eu sou um velho moço/ Que nçao viveu, cedo,/ Que nçao sofreu muito/ Mas que não morreu tudo/ Eusou alguém livre/ Não sou escravo,/ Nunca fui senhor./ Eu, simplesmente, sou um homem/ Que ainda acredta no amor".

Acredito, acredito no amor. Agora vou ouvir um CD todinho de Rita Lee. Ela me deixa totalmente alto astral. Inté.

Dartagnan Ferraz
Enviado por Dartagnan Ferraz em 25/12/2017
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