ADMIRO QUEM CHUTA O BALDE
E quando dá vontade de largar tudo e cair no mundo - seja ele qual for? Não se trata de querer fugir da realidade ou se esconder de algo, ou de alguém. O que bate forte é o desejo de liberdade, que nos colocasse duas asas poderosas que nos levassem para cantos nunca antes tocados. Largar tudo - mulher, filhos, família, amigos, trabalho, cachorra, tudo - e virar cigano sem nome e nem endereço. Passar a ter as estrelas como teto e o chão da rua como quarto. Passar a não ter horário, compromissos, não precisar dar satisfação para mais ninguém. Se tiver comida, come. Se não tiver, babaus. Virar um cara à mercê dos ventos. E assim passar os dias, meses, anos, a vida que me resta. Dar uma pirada fulminante, daquelas que passam borracha no passado e legitimam este direito de voar. Tem dias que acordo inundado deste desejo, mas a vida se encarrega de me sacudir e fazer valer a minha "realidade", gritando nos meus ouvidos as tarefas que um cara com 60 anos recém completados têm a cumprir - por bem ou por mal. Admiro quem chuta o balde e se lança no precipício dos sonhos, como alguém sem raiz e nem frutos. Alguém que manda os boletos pro inferno, alguém que se desgarra das tetas tentadoras do sistema e refaz suas pegadas para outros cenários. Pena que a gente vai ficando velho e acaba virando um medroso, cagão mesmo, incapaz de ouvir o que o próprio coração diz certas horas. Pena que a gente acaba colocando estes desejos legítimos na cesta das frustrações e pronto. Desgarrar da base dá medo, pânico até, mas o cheiro da liberdade atiça, como gostosa sombra rebolando ao som de uma rumba enebriante. Desabafar vai me deixar menos frouxo, menos revoltado comigo mesmo. Pode ser um primeiro passo para largar tudo e mandar ver. Aí ninguém me segura mais. Ninguém mesmo, pode crer.
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