Meu Natal no Natal
É engraçado como algumas coisas marcam a vida da gente. Esses acontecimentos, geralmente, se tornarão importantes durante toda nossa vida. A gente cresce, muda, se transforma, mas carrega aquelas importâncias dentro da bagagem da gente.
Recordo-me dos natais da minha infância como se tivessem acontecido ainda ontem. Minha mãe sempre fazia mesas fartas. Tínhamos de tudo naquela época. Tudo era preparado com muito capricho, com o tempero da boa baiana que era ela.
Eu ficava sempre por ali, observando ela cozinhar, abundando em ansiedade por experimentar de tudo. Quando anoitecia, meu pai saía, dizendo que ia num bar, tomar uma dose, com uns amigos, apenas para aquecer. Ela olhava torto, recomendava que ele voltasse a tempo.
Vocês devem estar se perguntando: como assim voltar a tempo? Não era Natal? Exato, Natal, e sim, voltar a tempo.
Ela finalizava tudo, arrumava a mesa e nós ficávamos esperando: por ele e pela meia noite. À medida que a meia noite se aproximava, e meu pai nada, eu ia entrando em desespero. Às veze minha mãe ia aos bares de costume procura-lo. Às vezes ela me enviava para esta missão. Era ainda pior quando eu ia: quando chegava ao último bar da lista, minha esperança ia a quase zero, e eu torcia para ele já ter chegado em nossa casa por outro caminho.
Quando eu chegava em nossa casa, e nada do pai, aquilo parecei o máximo que eu entendia, naquela altura de minha infância, a morte. E lá íamos nós para a cama, sem a ceia em sem o Natal. Minha mãe fala que sempre comíamos antes de dormir. Sinceramente, não me lembro, porque meu pai não estava ali. Eu não reconhecia como Natal qualquer refeição sem a família completa naquela data. Isto era um fato.
Tempos depois, já sem a boa condição financeira, e meu pai não mais alcoólico, não tínhamos uma mesa de ceia de natal, não tínhamos nem mesmo a mesa, tão pouco a comida para aquela noite. Mas (isso é incrível) eram sempre os Natais mais completos e felizes da minha vida: família reunida, sentada no portão falando da vida, das histórias dos pais, avós, do sentido do natal, de tudo.
Hoje, já temos mesa e comida para noite do Natal. Temos, principalmente, o Natal, e isso é tudo de que precisamos. Com ou sem mesa, ceia, o Natal nos basta na noite de Natal.
Marta Almeida: 20/12/2017