Com bolo me embolo e dou bolo

Com bolo me embolo e dou bolo

Hoje tive um dia daqueles! Um dia onde nada demais aconteceu, mas fiquei moído pelo desespero de querer sair e não poder. Estava preso numa cadeia cujo carcereiro é meu xará e sósia. Homônimos no nome e nos sobrenomes nobres de minha origem plebeia de tanta honra e sofrimento. Não sei há quanto tempo minha família está no mundo. Minha mãe não se chama Alcmena. Meu pai sempre foi anfitrião de muita gente, mas nunca teve um sósia nem como empregado (pois não tinha empregados) e nem como patrão. Somos Oswaldos: Taperoá e Eurico. O primeiro filho de Eurico, o segundo neto de dois Euricos. Somos uma família de muitos de mesmos nomes, porém singulares em natureza. Ninguém se declara filho de Zeus ou protegido de Atenas. Ninguém é perseguido por Hera. Todos passam por peripécias. Matamos leões do imposto de renda. Apertamos os cintos. Compramos frutas a preço de ouro nos supermercados bem distantes de qualquer jardim. E vamos trabalhando...

Ainda tenho de preparar um texto para amanhã. Uma homenagem a uma colega que se aposenta depois de muito mais de doze trabalhos de professora. E eu, enquanto penso no texto de homenagem, resolvo mexer na bagunça de casa. Reviro armários e gavetas e as traças saem e as lembranças também. Sinto saudades da Grécia, de Roma, do Egito, da Pérsia, Etiópia, Benin, Angola, Mali, Israel, Palestina, Impérios Inca, Asteca e Maia! O apetite de gladiador guerreiro imperador gigante ogro titã me guia à geladeira e à fruteira e à despensa. Bancada e fogão, aí vou eu decepando legumes, esquartejando tomates, pisando a massa!

Meu momento chef chega ao fim. A louça me espera (e o texto também). O telefone toca. Conversa pra mais de vinte mil léguas a flor da terra não tão distante! Conversa vai, conversa vem e chega o amor! Cheio de sacolas e o coração bate! Um bolo de chocolate urgente com cobertura urgente. Reporto-me à austríaca torta Sacher. Não pronunciarão corretamente “zarrer”. Aqui já ouvi torta sachê. Deve ser por causa do cheiro agradável dos doces. Tô doido! Então vamos à brasileira nega maluca. Está lúcida. Saiu um bolo simples de chocolate para alegria dos alunos da minha esposa. Ela prepara lembranças para a festa de amanhã na escola. Eu fico escrevendo este texto e vigiando o bolo. Penso no bolo que dei hoje no Corujão. Mais um bolo com sabor de confusão de professor, marido, tio, irmão, voluntário, missionário em fim de ano. Que cheiro é esse? O bolo!

Que susto! Pensei que estivesse queimado. Cresceu além da forma. Também estou fora de forma. Meus versos são indisciplinados e minha prosa é meio atrevida a invadir o campo da poesia cultivado com tanto sacrifício! Nivelei o bolo! Comemos as rebarbas! Vejo a casca marrom de chocolate na sobremesa idêntica ao vulcão cor de urso caçador de salmão. Mais um trabalho cumprido. Vamos a calda e a embalagem! Recebam uma fatia com todo o carinho. Perdão pela tentação do cacau reduzido a pó açucarado altamente calórico! É época de Natal: tempo de perdão! No ano que vem, prometo oferecer receitas saudáveis e leituras edificantes.

Oswaldo Eurico Rodrigues
Enviado por Oswaldo Eurico Rodrigues em 15/12/2017
Código do texto: T6199319
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