Memórias póstumas de uma sociedade de Pessoas líquidas

“Matamos o tempo, o tempo nos enterra”. Bem escreveu Machado de Assis. Hoje, mais de um século após a célebre obra que fez de Brás Cubas um dos maiores nomes da literatura brasileira, perguntamo-nos o motivo pelo qual a máxima supracitada continua sendo tão válida. A frase de Machado é atemporal e se reafirma a cada dia; em nossa sociedade, principalmente. O que se inventou serve apenas para enterrar as pessoas. Soterrá-las de informação, de superstição, de besteirol, de superficialidade. As redes sociais, sob perspectiva machadiana, são os maiores coveiros do planeta. E o são porque nelas está concentrado o tempo das pessoas. Todos os dias, o matamos em publicações fúteis, em informações falsas, em brincadeiras. E ele nos enterra dentro de nós mesmos. As areias, segundo Fernando Pessoa, cobrem tudo. Desde a vida até a eternidade. E juntando a assertiva do mestre lusitano a do grande brasileiro, temos que matamos o tempo e ele nos enterra com areias que cobrem a vida, a prosa e a eternidade. Não há vida fora das pequenas telas dos eletrônicos; não existe prosa porque não há vida sobre o que prosear; não pode haver eternidade sem que alguém viva algo o que registre para ser eterno. E desse jeito, nossa era está enterrada numa areia movediça que é a instantaneidade das relações e do cotidiano. Uma areia cheia de mentiras, de notícias duvidosas, de fotos falsas, de amizades vazias. Tudo se esvai porque “os tempos são líquidos; nada é para durar", segundo Baumann. E o leitor atento pode perguntar-se o seguinte: se são líquidos, afogam-nos ou enterram-nos os tempos? Prefiro dizer que afogam no mar da solidão para, depois, caso encontrado seja o corpo, enterrarem-nos sob a terra de ninguém que é o mundo.

Beatriz Moda
Enviado por Beatriz Moda em 14/12/2017
Reeditado em 17/12/2017
Código do texto: T6199247
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2017. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.