A minha ida à Guerra!... 
Das várias centenas de crônicas que tenho escrito ao longo dos últimos anos, a grande maioria delas é baseada nas lembranças que um pequeno facto ou evento possam me trazer para reavivar a própria  inspiração latente.  E por isso, hoje, ao re-ler Camões, saiu-me isto aqui escolhido a esmo;   
...” Ali, o mui grande reino está de Congo;
Por nós já convertido à fé de Cristo.
Por onde o Zaire passa, claro e longo,
Rio pelos antigos nunca visto!...”  
(original de Luiz de Camões, no versículo 13 do Canto Quinto de “Os Lusiadas”)

              (mapa Cor de Rosa)

 
 
(Crônicas de Angola  # 001)   A Minha Ida à Guerra... 
 
Nota de abertura desta crônica.(poema caricato em estilo livre)
 
...chegados à ocidental praia do Ambrizete,
Fomos por caminhos e picadas nunca andados,
E todos feitos a catana e a canivete.
Mas...avançámos com o peito a descoberto,
- sem camisa, por não haver mosquitos ali perto!.
Ah... os "turras" eu não os pude ver,
Porque outros maçaricos já lá estavam, etc e tal...
Mas, mesmo assim,  foi honroso combater,
E defender a minha pátria, PORTUGAL!!!!
 
(direitos de autor reservados, mas nem tanto!... Silvino Potêncio - Ex-Combatente de Angola )
 
Nova Lisboa ---  Dia 12 de Janeiro de 1969,  cerca das 07:45 hrs. da manhã, eu  pousei a mala no chão, em frente à EAMA (Escola de Aplicação Militar de Angola) na então Nova Lisboa, hoje capital da província do Huambo com o mesmo nome indígena original.
Era dia de recrutamento e após passar o portão principal, seguindo a "bicha" de pirilau (que nada tinha a ver com a "bicha" tupiniquim!...) cheguei no corredor de recepção entre um sujeito de origem indiana de quem guardo na memória apenas a alcunha "Indio", (apesar de termos feito uma grande amizade e termos estado juntos por 6 meses seguidos naquele quartel), e o meu particular amigo Machado, também conhecido na área como o "Matraquilho".
- Este era funcionário publico em Luanda,  com um metro e quarenta e cinco de altura foi logo para a frente da bicha!... Era fruto dos erros da SECRECSEL, lá pelas bandas das cercanias do quartel general onde acabei servindo como amanuense por 42 longos meses. 
Ali na EAMA existiam várias salas para alistamento e em cada uma delas se fazia uma etapa diferente do alistamento p'ra valer!...Mas a grande farra era mesmo no corredor!  Aí surgiu um camarada alto com dragões de Alferes Miliciano, nos ombros da camisa e segurava uma prancheta na mão onde anotava tudo, menos o esperado cadastro pessoal para alistamento.
As perguntas do "Nosso Alferes"  eram do tipo;
Tu és casado?!!!... não!
Tu tens filhos?... já falei que sou solteiro, como é que tenho filhos?
 - Olha aqui ó pá!...
Aqui tu não dizes nada!... nada,  além do que te perguntarem, está bem?
- Tá bem.... não é "tá bem",...  é "sim senhor meu Alferes"!
...  Tens filhos ou não? 
-  Sim Senhor, Meu Alferes!!! 
Ouviste bem!?... Como é pô?! ...
Ó páaaa... disseste que não tinhas filhos, e agora dizes que sim!?... estás me a gozar ou o quê?...
Sim...Não!... é que...    
- Nisto eu recebi mais uma palmada nas costas de outro Alferes Miliciano, e fui parar do outro lado do corredor.
- Olha aqui ó pá! O oficial superior aqui sou eu.
De agora em diante nunca mais levantes a voz além da minha e lembra-te.
--- Na tropa manda quem pode, e obedece quem tem juízo! 
No dia seguinte de manhã, cerca das 05:00 hrs, na correria para os lavabos tropecei de frente com o tal "Alferes Miliciano" numero um acima.
- Neste momento, ele estava sem dragões na camisa e mesmo assim eu bati a continência!!!....
 Ele saiu disparado em direção da secretaria da caserna a rir a bandeiras despregadas, e eu fiquei ali com cara de parvo, sem entender nada!
- Foi a primeira vez que tive vontade de lhe dar uma grande "catramonzelada".
-  O tal Senhor "Alferes Miliciano" do dia anterior,  era nada mais nada menos que o soldado Amanuense de serviço no dia de recrutamento que havia recebido autorização (de combinação) do Oficial de Dia para fazer aquelas "palhaçadas" tradicionais do primeiro dia de quartel, primeiro dia de universidade, primeiro dia de acampamento, de qualquer coisa nova que muda as nossas vidas para sempre!
- Com base no estilo do grande "vate" eu comecei esta minha "catramonzelada" de hoje já no meio da crónica e da boleia que arranjei aqui no artigo infra publicado neste email do Sr Presidente do PortugalClub como   resposta ao camarada Sergio Teixeira/Suiça, vamos lá então explicar o porquê desta minha crônica.
É que, por falta de tempo... e principalmente porque não é do meu feitio, meter a foice em seara alheia, eu tenho recebido e guardado com certa saudade estas mensagens do PortugalClub especificamente dirigidas a nós Portugueses dos anos 60 (embora achemos que estamos todos ainda com 50!!!).
-  Ao ler esta resposta do Sr Sérgio Teixeira, dizia eu, me lembrei imediatamente desta que foi a minha primeira  "catramonzelada" em tempo de guerra.
Mas antes quero usar um pouco mais do vosso precioso tempo para explicar o nome; "catramonzelada"!
O camarada não precisa ser Alentejano para lembrar que nos bons velhos tempos de preparo da terra, (ah!... a "santa terrinha" de todos nós Portugueses, não interessa se estamos no espaço físico do Cabo da Roca até no monte Fuji Ama lá no Japão,... de alguma maneira todos sofremos por ela, a Santa Terrinha,  de uma forma ou de outra!) com a junta de bois.
Naquele tempo, os mais pobres, do chamado Reino do "Salazarismo", nem bois tinham naquele tempo para usar a “Tremonzela”!... Na maioria das vezes, a casa tinha  era mesmo um burrico ou dois para atrelar na charrua ou na grade e puxar a "tremonzela" por cima da terra, depois de lavrada  e semeada.
É isso mesmo,  a "tremonzela" era aquela barra de madeira redonda, com um gancho numa das pontas e alguns furos na outra ponta que, se usada para agredir algo ou alguém como eu vi algumas vezes, pode servir para dar uma boa "catramonzelada"!
- Sem querer meter prego nem estopa, de volta à carta do Amigo Sérgio Teixeira, eu gostei da "catramonzelada" dele. Logo seguida da outra "catramonzelada" sempre eficiente, séria e honesta do PortugalClub... e todas duas me levaram, aliás me trouxeram de volta os sonhos do tempo da EAMA.  
- Os sonhos são como as nuvens!.... “umas trazem chuva e outras se esvaem com os ventos no infinito do horizonte”.
E assim foi com muitos sonhos do Quinto Império Português.
A título de exemplo:  
O tal Mapa Cor de Rosa do cone Sul Africano, só existe na nossa memória e imaginação!
Ele acabou quando o Gungunhana pendurou as calças lá no Castelo de Bragança!
- E... vejamos que grande "catramonzelada" ele apanhou do meu Patrício! Aquele !... o Mouzinho de Albuquerque,  homem natural da Batalha e que ficou famoso justamente pelas Batalhas que ganhou e na pacificação no Mapa Cor de Rosa! 
- Já vi! ... só lembram agora do Mourinho, o dos Dragões.
Mas...  Isso fica para a próxima "catramonzelada" !...
 
(Texto extraído do Livro “Crônicas da Emigração – Catramonzeladas Literárias”  parcialmente editado virtualmente )
Silvino Potêncio – Emigrante Transmontano
O Home de Caravelas de Mirandela


 
Silvino Potêncio
Enviado por Silvino Potêncio em 12/12/2017
Reeditado em 12/12/2017
Código do texto: T6197151
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