Livre para te inventar
"Leia esse texto ouvindo Nando Reis - Por onde andei"
Eu vou continuar dizendo pra todo mundo que não me importo. Vou continuar evitando qualquer contato enquanto te observo de longe e te chamo com gritos abafados tomando todo cuidado do mundo para que você não ouça. Eu vou continuar dizendo que é por acaso, mas nós dois sabemos: eu vim por você. Foi pelos teus olhinhos miúdos, foi pela tua superfície tão linda, tão lúcida que quase me dá medo. Você parece guardar o mundo para as almas desbravadoras. Essa gente que não se mostra, esses gestos que não se pode compreender facilmente. Essa gente que chega sorrateira, que ri com cautela e ainda assim consegue preservar uma pureza intocável. Essas coisas que me intrigam e me atraem. Como o mar, gigantesco, enebriante, dono de toda a paz que a minha alma precisa, mas que de tão gigante me amedronta, me toma inteiro e me faz querer voltar antes de ser engolido. Eu não deixaria que você me engolisse com tanto mistério. Mas continuo aqui, cheio de dedos, vendo o teu sorriso por uma fresta enquanto me pergunto: quem terá coragem de alcançar a tua alma? E continua sendo por você, pelo jeito como você sorri de lado quando percebe que eu não vou demorar, pela sua sede absurda de vida, pela sua risada gostosa de quem se basta, pela sua efemeridade quase eterna. Eu continuo aqui, fingindo que habito meu mundo plural enquanto me dou pelo prazer de ser um covarde espectador do teu, tão atraente e tão enigmático, tão intenso quanto a minha própria vontade de te dizer que você é melhor quando eu sou livre para te inventar. Continuo, por acaso, em cada canto que você passe. Mesmo não sendo, sei que és minha.