NOSSAS CEGUEIRAS DE TODO DIA
Hoje de manhã tive uma ótima conversa com uma amiga que é cega desde os 6 meses de vida, resultado de câncer que teve nos dois olhos. Isso não impediu que sua vida fosse em frente da melhor forma. Se formou em Direito e passou na prova da OAB, apesar de na época haver o consenso de que pessoas cegas não poderiam advogar. Peitou a lei, fez o exame e foi aprovada. Trabalhou em várias empresas na área jurídica e foi nomeada Secretária da Pessoa Deficiente e com Mobilidade Reduzida pelo prefeito de Campinas, cargo ocupado por 4 anos. Ela mora sozinha, faz tudo sozinha (se arruma, arruma a casa, faz comida e demais tarefas pertinentes à uma mulher que mora sozinha). Estou contando isso pra ressaltar que sua deficiência visual não impediu de fazer nada, é claro que isso exige dela um esforço tremendo, porque tudo é feito para pessoas “normais”. Pensei no quanto somos cegos também. Nas nossas dificuldades de enxergar além do próprio umbigo, do quanto negamos a ver nossos próprios erros de fabricação., do quanto tapamos tantos sóis com a peneira só pra não reconheceremos que eles existem. Das “topadas” que damos a toda hora (como ela), só porque não damos importância pelos “obstáculos” dispostos no nosso caminho. Do quanto precisamos de uma “bengala” pra caminhar, tanto quanto a minha amiga, e do quanto nossos olhos não identificam, ou não dão muita importância, para o que está à sua frente: os gestos de carinho, de respeito, de solidariedade. Os sinais de Deus. Os mistérios da nossa alma. O que guardam os baús do nosso coração. O prazer das coisas simples. O que sentimos de fato, bem lá no fundo da gente. A riqueza dos detalhes de tudo o que nos cerca. E por aí vai. A cegueira que temos não foi imposta à nossa revelia, conforme ocorreu com ela: somos um tanto cegos porque, por medo ou comodismo, deixamos de enxergar o que é de fato importante, despertando a atenção dos nossos olhos para as pequenezas desta vida, traduzidas pela ambição desenfreada, pela correria sem trégua, pela frieza do mundo digital e pela vontade desenfreada de transformar o planeta num entulho só a cada segundo. O câncer que acabou com a nossa capacidade de enxergar, diferente do dela, continua fazendo efeito por toda nossa vida e a sua cura não depende da genialidade de nenhum renomado cientista: depende só da nossa vontade de querer mudar o modo de ver a vida. Tarefa praticamente impossível para a maioria dos mortais.
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