A BOA ARGILA

– para Vera Regina e Marli Sturbelle, em homenagem ao que havia nos escaninhos da memória.

O tempo não apagou a antiga amizade e a magia da virtualidade rejuntou-nos às paredes e aos regalos do pátio da infância. Acho que podemos dizer que fomos feitos da argila boa e das águas barrentas que faziam a liga dos tijolos e telhas produzidos pelos suarentos oleiros do entorno do Pepino, o riozinho plácido da infância, em Pelotas. Nos galpões de secagem, o sol, o vento e a chuva, além das formas de latão ou zinco acondicionando a argila, davam a medida da espera para que a invernia fosse suportável pelos homens e mulheres do povo, de modo a que as intempéries minimizassem os seus estragos. Também o eventual e necessário abrigo às suas proles famintas de mimos e atenções no final do dia, quando a enchente batia o portal das casas de duas peças. E desta humilde maneira parcelava-se o futuro com a irremediável parcimônia daquilo que irregularmente chega ao bolso, para deitar-se à mesa dos necessitados de alimentos e largas esperanças.

– Do livro A VERTENTE INSENSATA, 2017.

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