PÁROCO NUM PORRE SEM FRALDAS

Num palco encardido me desparafusei de mim.

Fiquei assim desnudo de alma, de tampa, de recesso.

Me abri para as velhas loucas que ainda perduram neste maldito chão.

Fui pároco num porre sem fadas, nem profetas.

Quisera descobrir as meadas deste fedor horrendo, mas não deu, desculpe, não deu mesmo.

Sei que você é cruel nos seus encantos, no seu trêmulo retornar.

Nas poças de medos infringidos, abafados, atarracados, me salguei.

Sei que você é fiel nas selas entremeadas de pão e fuligem,

sei que você não existe, resistindo dentro de mim,

de algum pedaço de mim que pouco abençoo.

Quando você me tem estou, por certo, tendo você também.

Descubro cada apego dos seus desejos, cada pétala da sua dor,

cada quinhão robusto do seu afago atroz.

Tiro o véu que esconde suas ciladas matreiras, suas asneiras tantas, e tantas, e tantas.

Beijo seus fogos de artifício, suas rendas mal ajambradas de festim,

sem cansar, nem repetir.

Conheço cada teco das suas frenéticas mamas,

sei de tudo que impregna seus sonhos tão imbecis, imbecis nas fronhas, nos quitutes, nas manhas obtusas da fé.

Nos odiamos numa catarse sem pregas, sem botão fechando o rio.

Nos odiamos como calibres aflitos do mesmo porrete, sabia?

Somos irmãos mal refletidos num eco carimbado, confeitado, comedido.

Somos guaritas da mesma canção desafiada, do mesmo olhar torto.

Desisto de tentar arrancar sua jugular, de tentar estrebuchar suas flâmulas rasgadas e podres, como tantas vezes fiz e refiz.

Sei tudo de você, de cada veia de você, de cada camada de você,

de cada porre de você, de cada voada de você. Sei tudo.

Pode querer fugir de mim, se fingir de sombra, querer passar por Deus,

que nada, que nada.

Desista desta farsa rocambolesca, deste teatro barato que se fez a sua víscera, sua canção caramelada e descabelada.

Hoje só nos dois nos restaremos, tudo ao redor virará limbo aguado e surrado.

Este dia é nossa redenção, nosso derradeiro golpe, nossa última gota de tiro sem eco, sem comboio, sem vendaval.

Sem nada mais da gente, nada mesmo.

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Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 01/11/2017
Código do texto: T6159064
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