DESAJEITADO EPITÁFIO

(in memoriam de João Carlos Lemõns, lembrando Antonia, Nina e Alessandra, no Jardim América, Pelotas)

A surpresa da notícia em mim faz o registro. Ele e sua simplicidade no vestir e no falar. No restrito pátio, o seu jeito menino de brincar com a sapeca cadelinha baia. O seu andar de bicicleta: um jóquei alçado sobre o flete na linha de chegada, estaqueado; tímido, ao apear o corpo magro. Perde o Internacional um fiel torcedor, um colorado de quatro costados. Ganha a planície da outra margem um admirador de flores e ramas primaveris. Vai, decerto, tornar formosos os jardins do Absoluto. Estou triste, mas certo de que nos reencontraremos dia desses. Parece que o estou vendo, lépido e faceiro a trilhar a sua passagem – um discreto semeador de paciências e serenas fidelidades – com Aurora grudada na garupa, latindo de alegria no horizonte, ao alvorecer. Afundo na solidão da lágrima. A tristeza molhará os canteiros. Finitude é certeza única. Quando a morte leva um amigo, o mundo fica menor. Sou um cão faminto de confidências e afagos. Consola-me a palavra. Uiva em mim a despedida...

– Do livro A VERTENTE INSENSATA, 2017.

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