Quem nos consola?

Porque depois da meia-noite, meu bem, quarto sujo de hotel, o álcool percorrendo pelo corpo, alguns cigarros, a vontade de acabá-los um a um, é o único grito que ecoa despertando o eco do pedido “pare de fumar” que logo será ignorado pouco a pouco com a lentidão do arrastar das horas, ensurdecendo o próprio relógio. Sabemos que o mundo anda terrível basta olhar um pouco menos para dentro de nós, sem precisar demorar muito o olho do lado de fora, mesmo que esteja deitado com o olhar direcionado para a parede, sem que o teu/nosso egoísmo de cada dia tape os nossos olhos nos limitando a olhar apenas para nossas miudezas interiores. Cada canto percorrido com os olhos há resquícios de solidão, que aos poucos se juntarão, para então se materializar no alvo mais frágil, e as palavras sairão pela boca seca: “Meu Deus, onde anda a minha/nossa esperança? O meu sono? “, esqueces de agradecer o pouco privilégio de estar aí escrevendo embaixo de um teto, que em meio a tanta desgraça reclama apenas das coisas que se perderam ou que não chegaram nem a existir, enquanto deitas numa cama decidindo se acende ou não outro cigarro. Estarás focando apenas nas suas misérias particulares, consegue pensar no miserável debaixo da ponte? Aquele, a quem se direciona poucos olhares, vivendo a beira de delírios incessantes, e nos milhares deles que vivem por aí... contudo, são neles que ninguém pensa antes de dormir, nem mesmo quando o frio é de cortar. Mas estão lá, fazendo parte daquela paisagem escura, suja, sem resquícios de qualquer tipo de piedade. A miséria não vem apenas da falta de bens. Corre o olho por cima daquela prostituta marginalizada, que vagueia pelas ruas, ou que está chorando nos banheiros sujos borrando o pouco da maquiagem que ainda lhe resta, ainda nesse momento. Somos a soma dos dois, mas disfarçados até onde a condição nos proporciona. Contudo, prometa que me procurará de vez em quando, ao perder um pouco do seu sono, quando ficar tão feliz ao ponto de esquecer esse caos no qual vivemos. Veja como nossas dores e falhas são parecidas, elas não terminam de nos atravessar, permanecem sem que possamos ao menos arrancá-las, diminui-las; por te conhecer sei que o que fazemos é apenas esperar para que nos esqueçamos delas, de nós, mas nunca acontece. Todavia, o que é o mais incômodo permanece, sempre foi assim, e é por isso que ficamos acordados quando a inquietação salta, mesmo com nossa exaustão. Porém não pensaremos naquele mendigo. Encare-o quando o encontrar verás que ele projeta a dor e o medo que sentimos de estarmos no lugar dele, sentimos pena, mas não trocaríamos de lugar. E o mundo tem que ter piedade apenas de nós, porque nossos sentimentos e angústias são a única coisa que importa - egoísmo. E de nós, quem sente pena? Quem nos ligará uma hora dessas nos falando sobre saudade, ou qualquer coisa superficial que nos tire da compreensão da nossa própria inutilidade... quem trocará de lugar com a prostituta, quem trocará de lugar com você? Quem acalmará o meu, o teu, nosso medo? A noite vai correr até que você caia no sono, o mendigo e a prostituta sabe Deus o que será do fim de noite deles, mas uma coisa é garantida, a nossa solidão será a única que continuará acordada mesmo quando fecharmos os olhos.

Anny Ferraz
Enviado por Anny Ferraz em 06/10/2017
Reeditado em 25/07/2018
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