Veni Venerem

Em tempos de guerra, os homens fazem amor, continuam bêbados em botequins mal-acabados, batem em suas mulheres e as amam. Endividam-se por mais uma dose de água-ardente, que lhes arde o peito e os faz amar. Enquanto fogem, mais se encontram; enquanto brigam subtraem-se da fria tela digital e vivem.

Não me pergunte se deles sinto pena. Como queria correr pelos prados nus e desfrutar de toda felicidade animal. Pedreiros continuam a erguer paredes, o triste palhaço fricciona o eterno parafuso, padeiros fazem pão e mulheres, até o momento, não tiveram orgasmos.

No entanto, a voz fez-se ausência.

Cada vez mais, a musa é repelida pelo barulho das máquinas. Da cípria deusa não há rastros.

Um caroço de catarro impede as cordas vocais de vibrar e o canto metamorfoseou-se em um silencioso triste pranto.

Prostitutas, garis, mercadores ambulantes, engravatados e eu, pobre, mas esplêndido, voando e gozando a minha chaga aberta a verter pus. Olhe para o homem que passa, nem mesmo sabe ele que passa enquanto passa. Desaprendeu a contemplar a verdejante pastagem metafísica do não eu, onde florescem ramas de brotos negros como a noite.

Ó, homem, por que tampaste teus ouvidos com cera?

Eu, senhor de mim, ao longe, escuto o canto ofegante das moribundas sereias. Contudo, a podridão me cerca, ela laçou-me, pela cintura e com firme nó, ao grosso cerne de carvalho, do qual já sinto famintos vermes eclodirem.

O vinho agita-me o sangue e, ainda, continuo preso a mim mesmo.

Volta-se aos homens, pois a eles não pertenço mais, salvem aqueles que mantém a fogueira da vida acesa, a do meu ser extinguiu-se, somente há cinzas agora, que dançam, num balanço preguiçoso, no sertão da minha existência.

Toquem Beethoven, talvez eles acordem. Não, que dobrem os sinos. Assim, quando os calabouços se abrirem e o doce sopro da Musa voltar arejar os homens, e à guisa dos Deuses, soltos em um espaço imaterial, poderemos ler Tolstoi a sombra de um pau-Brasil.