DE VOLTA AO PARAÍSO TERRESTRE

Do miradouro Vista do Rei, contemplamos a Lagoa das Sete Cidades, situada em uma cratera vulcânica. É o maior reservatório natural de água doce do Arquipélago dos Açores, com 33 metros de profundidade e 4,35 quilômetros quadrados de extensão. Separada por um canal, divide-se em duas lagoas menores, de colorações diferentes: uma verde e outra azul. A Lagoa de Santiago e a Lagoa Rasa também podem ser vistas desse privilegiado ponto de observação.

A Lagoa Verde é maior, com volume de água superior ao da Lagoa Azul. As cores de ambos os reservatórios são propiciadas pela vegetação aquática no fundo dos lagos, e pelos reflexos provocados por plantas e outros materiais orgânicos existentes às margens de cada um.

Conta-se que a filha do rei enamorou-se de um aldeão. Ambos eram bem apessoados. Ela tinha os olhos azuis e ele verdes. O rei não permitiu o casamento da filha com o pobretão e expulsou-o de seus domínios. Os apaixonados jovens sofreram amargamente a dor da separação. Diz a lenda que as lágrimas vertidas por eles em profusão teriam inundado as duas lagoas. A verde, proveniente das lágrimas dos olhos do rapaz, e a azul, dos da linda princesa.

O miradouro Vista do Rei é o mais destacado da Ilha de São Miguel. A vista é esplendorosa. Nas imediações, encontra-se abandonado um grande empreendimento imobiliário, denominado Hotel Monte Palace, pertencente a um grupo econômico francês.

O hotel Monte Palace foi inaugurado em abril de 1989, com oitenta e três quartos, cinco luxuosas suítes, sendo uma presidencial, além de uma discoteca. O empreendimento resultou abandonado por seus proprietários, por dificuldades financeiras. Sem funcionar, ficou acéfalo até 2011, ocupado apenas por vigilantes encarregados da segurança, a fim de evitar depredações.

Visitamos os miradouros de Santa Iria de onde contemplamos lindas paisagens da costa norte e das três principais montanhas que emolduram a Ilha de São Miguel. Dali, vimos, também, a Lagoa do Fogo, com 1.360 hectares de extensão, considerada a maior e mais alta da região, medindo 575 metros acima do nível do mar. Parcela da área que compõe a Lagoa do Fogo é classificada como reserva natural desde 1974, revelando um panorama mais primitivo, talvez pela ausência humana que, do contrário, já teria relegado seu esplendor a planos inferiores.

No dia 12 de outubro de 1968, ocorreu trágico acidente aéreo na região da Lagoa do Fogo. Três aviões bimotores sobrevoavam o lugar, quando, as 5h30, um deles colidiu com Pico da Barrosa, vitimando o piloto francês Marc Philipp, de vinte e um anos de idade. Fotografamos o local do acidente, no qual foi erigido singelo monumento exibindo placa descritiva do ocorrido. Nesse pequeno pedestal constava a hélice do avião sinistrado, roubada tempos depois por pessoa de caráter repreensível.

Em Ribeira Grande, visitamos os campos onde é cultivada a planta da qual se elaboram os chás verde e preto, produzidos pela mais antiga fábrica de chá da Europa, a Gorreana. Adentramos o estabelecimento para conhecê-lo amiúde. Bebemos chá e adquirimos pacotinhos da iguaria a ser saboreada quando de nosso retorno ao Brasil.

Em certo momento, fomos conhecer uma plantação de ananás. A cultura desse fruto é originária das Américas e foi introduzido na Ilha de São Miguel, no século XIX. A plantação que visitamos fica nos arredores da capital, Ponta Delgada. Lá, vimos algumas estufas com paredes de vidro. Cada planta dá apenas um fruto, que se desenvolve em dezoito meses. A plantação é defumada periodicamente, a fim erradicar as ervas daninhas.

Estivemos no Lago de Furnas, com piscinas borbulhantes decorrentes da constante ação vulcânica que o originou. Essa área é famosa por possuir fontes termais conhecidas pelos lusitanos como fumarolas, lugares impregnados de sulfato de cobre e de ferro. Nas caldeiras de águas sulfataras existentes no solo fumegante da atividade vulcânica são cozidos carnes e vegetais, entre outros alimentos. As panelas são ensacadas e enterradas por cinco ou seis horas, após o que os ingredientes estão aptos para consumo.

Participamos de lauta refeição constante desses cozidos, oferecida por nosso anfitrião açoriano, em restaurante do hotel Terra Nostra Garden Hotel, reservado, previamente, para nos atender. Esse estabelecimento está localizado junto ao Parque Terra Nostra, de 12,5 hectares, também pertencente ao grupo hoteleiro Bensaude.

O milho verde cozido nas caldeiras vulcânicas é saboroso. Tem gosto adocicado, tornando-se convidativo para ser consumido repetidamente. Foi o que fizemos quando retornamos das caldeiras de águas sulfataras. Gostamos tanto do milho cozido sob aquele processo que compramos algumas espigas para serem posteriormente saboreadas no aconchego do apartamento do hotel.

Saímos em breve caminhada para as fontes de água mineral, de onde bebemos do líquido vertido de torneiras públicas, à disposição dos turistas e pedestres locais.

Depois do almoço, fomos conhecer o magnífico Parque Terra Nostra. O ingresso individual para conhecê-lo internamente custa oito euros.

Naquela oportunidade, realizamos inesquecível passeio a pé entre árvores frondosas, canteiros de flores, lagos de águas correntes, recantos paradisíacos com dezenas de jardins ornamentados por esculturas de animais silvestres, alguns revestidos de folhagem natural, crescidas nos corpos esculpidos por mãos habilidosas. Enfim, percorremos vasta área de um mundo de atrações que somente a natureza expõe com tanta graça e magnitude.

O Parque Terra Nostra é um imenso jardim botânico, situado no Vale de Furnas. Ultrapassa dois séculos de existência. É considerado um dos mais bonitos do mundo, conforme classificação da revista Condé Nast Travel. Data de 1775, época em que Thomas Hickling, então Cônsul dos Estados Unidos da América em São Miguel, mandou construir, em área de dois hectares, sua residência de verão conhecida por Yankee Hall.

Ao longo dos anos, a propriedade pertenceu a sucessivos senhores, entre eles o Visconde da Praia e membros da família Bensaude. Adquirido em 1848, pelo Visconde da Praia, a área foi ampliada com a implantação de jardins, construção de alamedas e canteiros de flores. Nessa época, a antiga Yankee Hall foi substituída pela casa atual, imponente construção de dois pavimentos, com vista para o enorme tanque de água férrea, reservatório abastecido de água corrente, de coloração marrom claro, oriunda de mananciais ricos em sulfato de ferro. A temperatura da água supera os quarenta graus Celsius. Mesmo assim, quente como é, agrada aos banhistas que a procuram por divertimento ou para sanar problemas cutâneos.

Em 1872, o Marquês da Praia ampliou os já bem dimensionados jardins. Para tanto, contratou especialistas portugueses e ingleses, responsáveis pela construção do canal que serpenteia por grutas e avenidas.

Diversas mudas de árvores foram importadas da América do Norte, Austrália, Nova Zelândia, China e África do Sul. O parque contempla mais de três mil árvores de diferentes espécies. É cuidado por especialistas ingleses que tratam das árvores, renovando as acometidas de pragas naturais.

São lindos os canteiros de azaleias. Conforme as épocas de floração transmudam-se nas cores branca, vermelha e lilás.

O parque conta com expressiva variedade de 5 espécies de cycas, provenientes da África, Austrália e das Américas Central e do Sul. As cycadales ou simplesmente cycas, como as denominamos, são plantas de existência comprovada há milhões de anos.

O jardim das camélias é outro local de rara beleza. Conta com seiscentos exemplares de diferentes espécies, distribuídos em quatro zonas, conforme a variedade e procedência.

Ao final da tarde, estávamos exaustos, cansados, porém, satisfeitos com o que vimos: verdadeiro paraíso de vegetação abundante, rica, ornamental e criativa.

Aqui, faço nova pausa para descanso dos atentos leitores. Despeço-me, momentaneamente, prometendo-lhes novos capítulos narrativos do agradável passeio que fizemos à Ilha dos Açores, Itália e Espanha. Até a próxima oportunidade!