A minha necessidade da sua boca
Tenho necessidade da boca de certa pessoa. Sinto vontade de passar meus dedos gentilmente por sua pele, pelo seu pescoço, pelo seu rosto. Brincar os seus pelinhos de barba que estão por nascer e depois descer meus dedos até seus lábios carnudos. Gosto de trocar olhares com essa certa pessoa quando aparece numa roda de amigos um tópico que já conversamos em particular. Gosto do sorriso que essa pessoa dá pra mim quando trocamos esses olhares. É um sorriso meio torto combinado com uma inclinação do corpo para trás. Gosto como ela olha no fundo dos meus olhos durante essa troca. Meu mundo para por alguns segundos e acabo tendo que disfarçar. Eu olho pra baixo. Eu olho pra outra pessoa. Mas eu não gosto de ter que disfarçar. Não gosto de ter que desviar. Queria poder olhar pra ela o dia todo, ficar perdida nesse olhar durante horas. Sinto que essa pessoa tem a mesma necessidade que eu, sinto que ela também tem necessidade de nós. Mas esse "nós" tem uma barreira: o medo. Medo de ser tudo fruto da minha imaginação fértil. Medo de ter entendido tudo errado. Medo de não ser correspondido. Medo de ter criado esperanças para serem destruídas. Medo dela, caso realmente tenha interesse, o perca quando souber que é recíproco o sentimento. Medo e o jogo de desapego. Essas são as duas coisas que nos fazem estarmos indo dormir sozinhos agora. Jogando esse jogo, parece que nós dois perdemos. Quero a coragem de esbarrar "acidentalmente" nesse tabuleiro de maneira a espalhar todas as suas peças pelo ambiente, de uma forma tão bagunçada que seja impossível continuar a jogar. De uma forma que a gente desista. E quando a gente desistir vou poder te beijar. Vou passar meus dedos sutilmente pelos seus lábios carnudos, pela sua barba por fazer, pelo seu rosto, seu pescoço, por toda a sua pele. A partir daí só uma coisa eu espero: nunca saciar minha necessidade da sua boca.