EXCESSO DE GENTILEZA OU VIVO OU MORTO?
No terminal de carga daquele aeroporto, no galpão repleto de encomendas recém-chegadas da Europa, o fiscal da aduana examinava os volumes a ver se havia alguma irregularidade.
O funcionário do aeroporto acompanhava a inspeção, tranqüilo, naquele jeito de quem já fez o que tinha que ser feito e tinha feito bem feito.
Em frente a uma gaiola própria para transporte de animais de pequeno porte, o fiscal olhou o número do documento afixado e comparou-o com a cópia que tinha em sua prancheta. Constava como sendo de um cãozinho de uma determinada raça muito valiosa, rara, quase em extinção; descrevia a cor do bichinho, o pelo, seu nome, o nome da proprietária, endereço e outros detalhes próprios daquela encomenda.
Abaixando-se, para conseguirem ver o dito animal a fim de conferirem a carga, ambos funcionários constataram que o bicho estava morto! Foi o maior espanto! O fiscal cobrou do funcionário a falta de cuidados e segurança. O funcionário não sabia o que fazer, nunca tinha acontecido coisa daquele tipo com ele. A companhia teria que pagar o prejuízo à proprietária.
Apavorou-se. Com certeza, teria que encontrar outro bichinho para entregar à proprietária, compensando-a pela perda irreparável! Seria um transtorno! Aquele bichinho devia valer muito, porque o valor declarado no documento de embarque era altíssimo. Coisa contada em dólares!
Pediu um tempo ao fiscal e sobraçando a gaiola, saiu apressadíssimo em direção aos escritórios. No caminho, passou pela lixeira e jogou o cadáver fora com gaiola e tudo.
Começou, então, sua árdua tarefa de encontrar aqui no Brasil, um animalzinho igual ao outro. Com a cópia do documento onde constava a raça e características do cão, foi telefonando para tudo o que era canil que havia na lista. Trabalhou até o final do expediente naquilo. Depois, foi embora descansar ainda preocupadíssimo. Nem dormiu direito naquela noite.
No outro dia, após fazer o trabalho rotineiro, começou novamente sua busca. A proprietária telefonou perguntando se sua carga já havia chegado e sido liberada. Arranjou uma desculpa, afirmando que tinha sido classificada de vermelho, necessitando de outra vistoria pelo fiscal sanitário. Pareceu-lhe que a dona entendeu sua proposição. Chegou até a estranhar um pouco ela não ter esbravejado. Afinal, aquele cãozinho devia ter tomado já tudo o que era vacina.
Já no final da tarde, depois de correr com o serviço rotineiro e nos intervalos pendurar-se no telefone, conseguiu com um criador alemão um cão semelhante ao que morrera. Era um mês mais velho que o outro, mas não haveria de fazer tanta diferença assim. O preço é que fazia uma enorme diferença! O bicho era vendido em dólares mesmo. Fez o relatório de responsabilidade do transporte, deu entrada na tesouraria e foi buscar o cão no canil. No dia seguinte, o terceiro da chegada da encomenda, já com a gaiola em ordem, documentada e tudo, telefonou à proprietária anunciando que sua encomenda estava liberada.
Não tardou muito e a dita senhora apareceu toda preocupada para retirar sua encomenda. Quando olhou a gaiola, foi dizendo:
- Essa não é a minha gaiola.
- Minha senhora, disse o funcionário, sua gaiola estava levemente estragada e coloquei em outra bem novinha.
A madame olhou dentro e disse espantada:
- Mas esse bicho não é o meu!
- É sim, madame, apressou-se a afirmar o funcionário.
- Não é, não. O meu cachorro estava morto! Ele morreu na Europa enquanto eu estou aqui de férias e pedi que meus familiares despachassem o corpo para que eu o enterrasse aqui perto de mim, com as honras que ele merece! Eu quero o meu mortinho, não esse vivinho aí!
O funcionário quis morrer! Pediu que a senhora esperasse um pouco.
- Senta aqui um pouco, senhora, vou buscar o seu mortinho.
Saiu em desabalada carreira para ver se ainda encontraria o container do lixo. Já haviam levado!!! Pegou seu carro e dirigiu-se a toda velocidade para o aterro onde era despejado. Não era muito longe do aeroporto. Afinal, encontrou a gaiola com o bicho, já fedendo e a levou de volta.
Entregou-a para a madame, que emocionada chorava o tempo todo, limpando seus olhinhos com pequenino lenço de cambraia... Ainda conseguiu perguntar:
- E este vivinho porque está aqui? É encomenda também?
E o funcionário emocionado, lhe respondeu:
- Não, madame, é um presente da companhia aérea, para compensa-la por sua perda irreparável!
- Nossa! Quanta gentileza! Jamais esquecerei este acontecimento!
E o funcionário, entre aliviado e desnorteado, pensando com seus botões:
- Nem eu!
Este fato aconteceu no aeroporto de Viracopos na cidade de Campinas. Com certeza contém diferença de termos apropriados, mas em essência, é isso aí. Foi contada pelo Caê em 22 de Novembro de 2004.