EU EVITEI UM SUICÍDIO
EU EVITEI UM SUICÍDIO
Por: JOSÉ JOAQUIM SANTOS SILVA
Sempre quando eu passo pelas ruas do Comércio aqui em Salvador geralmente na correria por motivo de trabalho, lembro-me de um fato que ocorreu a 36 anos, para ser exato, 1979.
Estava no meu primeiro dos dez anos em que trabalhei na Philips do Brasil que era assim chamada na época como técnico de eletrônica.
Seu endereço era na Avenida Estados Unidos esquina com a rua da Argentina no Comércio eu largava o serviço todos os dias, 17.45 de segunda a sexta em plena luz do dia, e como de costume eu morando em Macaúbas-Barbalho, naturalmente tinha que subir juntamente com os turistas encantados com o aprazível Plano Inclinado Gonçalves o melhor de todos até hoje, e dava uma paradinha na Praça Tomé de Sousa em frente ao Elevador Lacerda parte alta, e lá existia uma Sorveteria e choperia "Cubana", hoje com outro nome onde eu sempre saboreava as minhas cervejas bem geladas naqueles fins de tarde antes de seguir para a minha casa, e muitas vêzes bebia com dezenas de turistas e conversando com eles também, e preferencialmente às sextas feiras, musica ao vivo, coisas que indicavam início de final de semana chegando com muita alegria, praia etc.
Mas, numa sexta-feira, me aconteceu um fato inusitado em minha vida que eu nunca imaginei vivenciar algo assim.
Saí da Philips no meu horário, desta vez resolvi aproveitar mais a tarde, vi uma baita fila na parte baixa do Elevador Lacerda, vi muitas turistas bonitas e pensei comigo; "Hoje eu vou subir de Elevador", aproveito de dou uma olhadas nessas gatinhas. E fui.
chegando lá no alto, me dirigi logo para a choperia, e instantes depois pedi ao garçom uma caipirosca bem doce com Vodka "Natasha". Daí comecei a beber lentamente e observando as moças que passavam por ali.
Mas, só que nesta única mesa vazia, já havia um cidadão um pouco mais velho que eu que aparentava uns 35 anos aproximadamente, enquanto eu tinha 20. Ele com um Jornal nas mãos, todo fechadão, e um copo de cerveja vazio sujo de espuma ao seu lado direito. E o mesmo parece que nem notara a minha presença por ali. Era como que eu estivesse invisível.
Tentei puxar papo com ele, mas, nada ele só balançava a cabeça quando respondia alguma pergunta. "Mas que cara esquisito pensei eu". Logo pedi uma cerveja Brahma e duas tulipas ou taças como queiram e o garçom imediatamente encheu as duas, levando assim o copo daquele cidadão que já estava vazio e sujo de espuma, trocando por uma das tulipas que pedi. Aí ele olhou para mim e fez sinal de positivo gostando da tulipa cheinha de cerveja e continuou a sua leitura em seu jornal.
Aí insisti: "Amigo!, posso pegar a parte de classificados?" Foi aí a minha surpresa ele respondeu falando; "Fique a vontade pode usar sim". É nosso! Aí fiquei contente em ouvir sua voz porque eu já estava achando que ele era metido a bêsta.
Daí em diante, começamos a dialogar, ele me disse que se chamava Adilson, começamos a falar de futebol, peladas ou baba, trabalho, sua vida, sobre a vinda do presidente à Bahia na época o Figuerêdo e as trapalhadas do Delfin Neto e toda equipe do Palácio Alvorada.
O Adilson me falou que era gerente de uma loja de roupas masculina no próprio bairro do Comércio e residia no bairro da Ribeira, casado e com três filhos menores de 18 anos.
Mas, algo afligia a sua vida; Dívidas com jogos e agiotas ele tomara dinheiro emprestado nas mãos de agiotas que o perseguiam e ele já estava desesperado sem saber por onde começar.
Inclusive, a energia de sua casa estava ameaçada de corte por atraso nos pagamentos das contas. Sua esposa, brigando com ele constantemente por causa dessa situação provocadas por ele mesmo.
Pensando bem, não havia necessidade para ele estar passando por aquela situação financeira desastrosa porque além do seu salário de 8000 cruzeiros por mês segundo ele, tinha também os 20% de comissão por vendas.
Para que vocês tenham uma idéia, na mesma época pela Philips eu ganhava um salário de 15000 cruzeiros por mês como técnico em eletrônica, dava 3000 para minha mãe viúva pensionista e assumia as contas de água, luz, o gás, carne, pão era solteiro mas controlava bem o meu dinheiro até o final do mês.
Mas tem pais de família que não pensam assim, daí surgem as zebras, desesperos e lutas na vida conjugal, descredibilidade com a esposa e principalmente familiares dela.
Bem; Dei-lhe umas sugestões como controlar mais o seu dinheiro, conversar com seus credores ao invés de se esconder, procurar parcelar as dívidas e procurar não fazer mais, e disse a ele também para comprar uma caderneta tipo de anotações, e tudo que for gasto ou ganho, anotar na caderneta para que ele não sofresse tanto impacto assim. Depois lhe disse: Tenha muito cuidado com preocupações por causa de dívidas Adilson, um vizinho meu que tomava umas cervejinhas comigo, era malhadão, tinha 38 anos, por causa desse tipo de situação enfartou e morreu. Sua mãe até hoje chora sua falta, e nós também sentimos.
Siga essas dicas que lhe dei e depois me diga os resultados ok? E vou ser seu cliente a partir do fim do mês e a gente ainda vai tomar umas gelada por aqui.
Ele me olhou por alguns instantes e nem percebi que seus olhos estavam lacrimejados.
Assustado lhe perguntei: Adilson meu nobre! por um acaso feri você com minhas palavras? Porque chora?
No mesmo instante ele me respondeu assim: " Cara, acho que foi Deus quem botou você no meu caminho.Mas como? Eu perguntei."Joaquim, eu estava decidido a dar um fim em toda essa confusão".
Eu pretendia me atirar da cobertura do Elevador Lacerda para acabar logo com essa minha vida. Pode notar, a única mesa que só tinha uma pessoa, era a minha não era? Respondi sim.
Então, só Deus mesmo para mandar você até aqui, para puxar papo comigo, me dar até conselhos sôbre finanças parecendo até que você já sabia o que eu ia fazer.
Cara, lhe devo a minha vida! Muito obrigado. Se não fosse você, no momento em que o ascensorista vacilasse, eu ia subir as escadas rapidinho e estaria logo na parte de cima, a parte mais alta do Elevador e seria uma queda livre de mais de 70 metros de altura até o solo.
Cara! Prometo que vou seguir seus conselhos, vou comprar uma caderneta hoje mesmo no armarinho lá da minha rua, e vou começar a me organizar, e vou me lembrar de suas palavras.
Qualquer coisa que eu for comprar, primeiro análiso se vale a pena e se comprar, anotarei na minha caderneta para ficar a par das minhas despesas.
Enquanto o Adilson falava, eu só ouvia e terminei ficando sem palavras, e os olhos começando a arder em plena 19.20 da noite. Ele me deu um forte abraço, me deu um cartão com o nome da sua loja e me garantiu bons descontos caso eu aparecesse por lá. Fiquei satisfeito e regozijado pois acho que fui usado por Deus para salvar uma vida, e de um pai de família acima de tudo trabalhador.
Foi muita emoção para mim numa sexta-feira início de fim de semana de muito sol, baba e praia. Adilson foi embora sim; Descendo o Elevador Lacerda com centenas de nativos e turistas para pegar seu ônibus na cidade baixa, Ribeira.
Eu segui meu rumo também, passei no Mercado das Sete Portas e tomei mais umas e outras e fui para casa descansar.
Esse episódio só comentei com minha mãe e ela ficou muito feliz e disse que Deus dera livramento para aquele rapaz o Adilson.
Depois daquela tarde, eu tive contato com o Adilson por vários anos, inclusive consertei televisores e equipamentos de som para ele e alguns vizinhos que ele me apresentou.
Em 2013 eu o vi numa certa loja de moda masculina, cabelo todo esbranquiçado orientando seus clientes e vendendo. Entrei conversei um pouco com ele, estava a fazer um atendimento e não podia me demorar eram quase 16.30. Hoje aos 71 anos não perdeu a pose de vendedor gerente.
Conversamos um pouco, eu já não estava bebendo mais; Deixei em 1998. Mesmo assim ele tomou sua cervejinha e eu minha água tônica com limão.
Ele trabalha no Comércio até hoje, no ano passado eu estava passando de ônibus e o vi subindo a escadaria do Banco do Brasil com uma papelada numa das mãos.
Sempre que posso dou uma ligada para o amigo e quando eu for ao Comércio agora em dezembro, com certeza irei visita-lo e ver as novidades de camisas e gravatas.
E assim meus amigos 38 anos se passaram.
Por isso eu não me canso de falar: " Devemos confiar na providência Divina, não importa o tamanho do problemão que tenhamos".
"A vida é um dom de Deus e só ele pode tirar".
JOSÉ JOAQUIM SANTOS SILVA
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