Querido Diário...

Aqui estou eu novamente preenchendo tuas linhas vazias com as minhas idéias bobas, mas o que posso fazer se só tu me escutas com atenção, querido diário... Nas tuas páginas posso chorar pelos amores perdidos, sem ser recriminada nem chamada de vagabunda ou puta salafrária e trapaceira, como o velho me chamou na noite passada, quando me pegou no telefone com o Ramiro. Ele fica me enchendo porque eu falo com o Ramiro, mas ficou brabo mesmo porque eu descobri a senha do telefone. Rá, rá rá, bem feito, velho unha-de-fome, ganha um bom salário no Porto e fica sirizando telefone para a filha. Nem consideração com o neto ele tem. O mandinho já estava dormindo, depois de eu ter ficado horas ninando ele, o velho começou a berrar feito louco e acabou acordando o Leandro Leonardo. A velha nem quer mais saber de cuidar do guri, fica resmungando quando eu digo que vou sair. Afinal, eu sou jovem, tenho que me divertir, aproveitar a vida e eles nem saem mais de casa para nada, é só novela e futebol da televisão, porque não podem tomar conta do piá de vez em quando, não é mesmo, querido diário?. Quando não é isso é o cretino do velho bebendo aquelas cachaças brabas, que ele ainda mistura com vinho de garrafão, depois fica só me xingando, querendo que eu arrume emprego, que vai parar de me sustentar, que vai correr o Ramiro aqui de casa. Ele que se atreva. Por que ele não correu o Alcidinho quando eu engravidei e ele veio aqui dizer que não tinha condição de casar agora? Porque é um cagão e se borrava de medo do Alcidinho, só porque ele era um traficante de respeito e andava armado. Depois que o Alcidinho sumiu, ele por acaso foi atrás dele? Agora o Ramiro está querendo ficar comigo, quer que eu vá morar com ele e o velho fica botando minhoca. Custava eles ficarem com o guri? Eu não posso ajudar o Ramiro com as viagens para o Paraguai tendo que cuidar do pestinha. E o coitado está precisando de alguém que faça as viagens por ele, porque ficou perigoso para ele ir até lá depois que ele matou aquele policial que ficava tirando as mercadorias dele. Eu por mim ia. O filho é do Alcidinho também e ele nem te ligo prô guri. E o Ramiro matou só um e o Alcidinho já matou nem sei quantos. Me disseram que ele está agora com a Claudiorrana, aquela lambisgóia do Profilurb. Aposto que vai embarrigar ela também. Toda metida só porque estudou no Lemos e é assessora na Câmera de Vereador. Quem te viu e quem te vê. Agora fica fazendo propaganda pro tal de Lulo, porque isso, porque aquilo, pra puxar o saco do vereador do Petê. Se mete a chique, vai comer churros no centro e pipoca com torresmo todo o santo dia, mas não passa de uma vagabunda. Outro dia ela estava comendo uma recheada ali no Vila Francisca, tomando cafezinho com o Alcidinho e os dois fizeram que não me viram. E eu com isso. Fui lá para a Praça Tamandaré e fiquei olhando os pivetes tacar pedra na anta, fumando o meu cigarrinho enquanto esperava o ônibus e acabei esquecendo os dois. Doce vingança. Mas que bicho bem feio é anta, né? Tem que tacar pedra naquele bicho mesmo, com uma tromba esquisita. Depois que cheguei em casa começou o inferno de novo. Não dei de mamar prô guri porque não estava em casa, ora. Não sei dar de mamar à distância, nem pela Internet. Rá, rá rá! Agora inventaram que eu não posso fumar enquanto dou de mamar. Como se a boca tivesse um cano para as tetas. Eles se metem em tudo! Já estou cheia deles. O Ramiro disse que tem uns amigos que podem dar uma pára-te-quieto nos velhos e qualquer dia eu aceito a oferta. Por enquanto eu ainda tenho que aturar, porque não sei como fica a pensão do velho se ele morrer. Mas tem uma amiga minha que trabalha no Instituto e eu já pedi que ele me investigasse isso tim-tim por tim-tim. Ou então, eu entrego eles para a polícia, conto as falcatruas deles com o meu tio lá de Brasília e digo onde foi parar o corpo daquele homem que era caseiro do meu tio. Eles pensam que eu não sei, porque eu era pequena, mas eu ouvi tudo e me lembro bem do que foi dito naquele bar. De resto, a vida vai maravilhosa e cor-de-rosa. Hoje vou ver o meu amor. Ele vai me levar numa balada funk. Vou dançar até cair e usar o meu vestidinho novo. Não é sempre que se tem 18 anos. Depois eu conto tudo. Até amanhã, querido diário.