A Borboleta

 
No caminho ia flanando aquela enorme borboleta azul. Cintilava simplesmente o cerúleo de suas asas despertando memórias. Ia sem rumo tanto quanto as lembranças vinham e iam sem nenhum compromisso com o pensamento.

E o pensamento trouxe memórias ao ver aquele inseto alado. Dizendo assim o bichinho perde toda a poesia que há no vocábulo BORBOLETA, magia da palavra em conferir valores aos seres.
 
Vamos às recordações colecionadas...  A primeira lembrança que vem é daquelas borboletas de louça que havia na varanda lá de casa. Era moda nos anos 50 e 60. Foram trazidas pelo meu pai em suas constantes viagens. Cada vez que ele chegava trazia uma novidade. Elas foram postas à esquerda da porta da sala de jantar que dava para o terraço. Se durante o dia eram percebidas pelo brilho azul da louça, à noite eram ouvidas pelo tlim-tlim que faziam com o passar do vento.
 
E o vento passou levando o tempo... Não durou muito e a moda eram os enfeites e utensílios de plásticos. Produtos FREX-A CARIOCA eram os mais comuns. Os primos trouxeram a novidade de São Paulo para minha avó: borboletas multicores flexíveis. Como eram numerosas tornaram-se pouco valorosas... Perderam o encanto e sumiram.
 
Frágeis eram as borboletas do jardim. No final do verão e antecipando o inverno apareciam aos borbotões ajudando margaridas e gerânios a alegrar os canteiros que contornavam as laterais da casa de minha infância.

Viviam livres. Até minha irmã cismar de colecioná-las espetando as pobres aladas na parede de seu quarto. Puro capricho de feminilidades! E eu era o mais animado em capturá-las para agradar minha irmã. Eu levava aqueles bichinhos como mimos. Aí minha irmã começava o processo de sufocá-las entre as páginas de livros velhos e grossos que se empilhavam. Dias depois retirava seus exoesqueletos coloridos de asas abertas. Espetavam as cabeças dos insetos na parede acima de sua cama. A crueldade e a morbidez eram amenizadas pelo colorido que as asas emprestavam à parede branca do quarto.
 
As borboletas sempre me encantaram. No ginasial quando eu estudava Ciências Biológicas saia catando insetos, além de borboletas. No caminho da escola percebi que na praça próxima havia imóveis mariposas de diversos tons de cinzas. Arrumei uma caixa de camisa e fui ajuntando um exemplar de cada espécie daquelas bruxas, como as chamavam na época. Coloquei a caixa encima do guarda roupa para depois verificar aquele tesouro que eu tinha arrumado com capricho. No quarto dormíamos nós, três irmãos. Quando meu irmão mais velho chegou da rua tarde da noite ele não podia dormir até descobrir de onde vinha aquele rufar de asas se debatendo. Com xingos e resmungos ele abriu a janela e jogou a caixa de bruxa fora. E na noite escura saiu aquele panapaná de asas cinzas voando no escuro afora. 

E foi assim que na antiga escola quando se ensinava (obrigávamos a memorizar) os Coletivos de Substantivos aprendíamos que o de borboleta era panapaná, palavra tomada do tupi-guarani. Outro dia assistindo TV pude perceber que o país Panamá recebe este nome em virtude de em determinadas épocas do ano ele ser invadido por nuvens de borboletas que migram pelo continente americano.
 
E aquela borboleta do início da crônica seguiu voando baixo enquanto outras vinham em sentido contrário. Bastou este quadro em minha caminhada pela “Linha do Oeste” naquela manhã para suscitar todas estas reminiscências.
 
E como eu contradigo ao meu filho: “Não sou saudosista. O que sou é um narrador de minhas memórias”.

Para valorizar os escritores do RECANTO DAS LETRAS quero encerrar este texto com a indicação da produção do colega que achei ser uma “Chave de Ouro” para fechar este escrito:
 http://www.recantodasletras.com.br/poesias/5961244
Mais um maio se vai... que junho traga alegria nas asas de uma borboleta aspergindo bênçãos.
 
 
Leonardo Lisbôa
Barbacena, 10/05/2017  
 
ESCREVA PARA O AUTOR:     
conversandocomoautor@gmail.com
 
Leonardo Lisbôa
Enviado por Leonardo Lisbôa em 28/05/2017
Reeditado em 28/05/2017
Código do texto: T6012094
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