DIA DE “SORTE”!
O sábado transcorria normalmente. José o servente de pedreiro, trabalhou até às doze horas quando o serviço da obra parou.
Junto com alguns companheiros de trabalho, atravessou a rua em frente ao prédio em construção, entrou em um “pega bêbados” ali existente, tomou duas ou três lapadas de cana, comeu um tira-gosto e se despediu dos amigos.
De regresso ao seu barraco, subiu num ônibus que já vinha cheio. De repente, sem que tivesse tempo de se prevenir, veio um espirro e junto com ele voou sua dentadura que foi cair no colo de uma velhinha, esta assustada com o imprevisto e estranho objeto, soltou um grito e atirou a dita cuja para longe.
Na ânsia de recuperá-la, José deu um pulo para frente no exato momento em que alguém pisou uma das suas sandálias, “aquelas que não largam as tiras”, as tiras largaram-se, e para completar, o motorista deu um freio de arrumação, e desta vez, quem caiu no colo da velha sem dentes e sem sandálias, foi o José.
Em pé ao lado da velhinha, vinha um tremendo bruta-monte, que para azar do José, era filho da velha. Irritado com aquilo, o cara pegou José pelos fundos das calças e o jogou violentamente para trás, o pobre bateu de frente com uma jovem senhora grávida, cujo marido lhe agarrou pelo colarinho, o qual de tão velho, para sorte do pobre homem, rasgou-se. Libertado das mãos do marido enfurecido, o atordoado servente, desesperado e querendo defender-se, rodou o braço atingindo em cheio a cara do bruta-monte filho da velha, que o havia atirado contra a senhora grávida. Fechou-se o tempo: juntos, o bruta-monte e o marido da grávida, cobriram José de tapas e saíram arrastando-o para jogá-lo fora do coletivo. Vendo aquela cena e revoltados com a covardia dos agressores, dois rapazes bem talados que desde o início a tudo assistiam, interviram para ajudar o pobre diabo. O ônibus acabara de parar e abrir as portas, quando os quatro homens engalfinhados, tendo José entre eles como elemento de disputa, enroscaram-se degraus abaixo, caindo todos sobre a calçada indo o pobre José estender-se em cima de uma carroça de confeitos que se desintegrou espalhando balas, chocolates e chicletes pra tudo quanto é lado.
A garotada que ali perto brincava, sem perda de tempo, partiu para apanhar as guloseimas, enquanto enfurecida a dona da barraca voou em cima do servente com gosto de gás a mordê-lo e arranhá-lo, sem que nada disso interviesse na luta dos quatro homens que trocavam socos e pontapés, de modo que o furdunço era geral.
Não demorou muito, apareceram duas viaturas da polícia, os policiais algemaram e conduziram os envolvidos à delegacia.
Na presença do delegado, mais conhecido como “Mão de Ferro”, todos gritavam e ninguém se entendia. Irritado e querendo por ordem na casa, digo na bagunça, Mão de Ferro soltou um tremendo berro seguido de um murro tão forte sobre a escrivaninha, que de tão corroída pelos cupins, desmanchou-se. Desesperado o delegado ordenou aos policias de plantão que enfiassem todos no xadrez sem roupas e lhes dessem um banho de mangueira para que esfriassem as cabeças e aprendessem a ser educados. Neste momento, José todo esbagaçado desmaiou e por ordem do delegado foi conduzido ao hospital para receber atendimento médico.
Algum tempo depois já com tudo sobre controle, o delegado foi até a cela onde se encontravam os briguentos, tentar entender os motivos que provocaram aquele tremendo bafafá. Foi aí, que deu fé que entre os homens de cuecas, havia uma mulher de calcinha e sutiã, a dona da barraquinha de confeitos. Mão de Ferro tomou um tremendo susto, e meio sem jeito, mandou que todos se vestissem para depois interrogá-los. Nem começou o interrogatório, a chegaram
a delegacia a mãe do bruta-monte, a mulher grávida e o marido da barraqueira. O desentendimento recomeçou, todo mundo falando ao mesmo tempo, uma loucura total.
Diante dos fatos, levando em conta que não se chegava a lugar nenhum e que todos tinham culpas e razões, o delegado, que era bem negligente em suas funções, informado por um dos policias de serviço que o ferido levado ao hospital estava fora de perigo, propôs e teve sua proposta aceita: que cada um fosse para sua casa e esquecesse o incidente. Em seguida mandou relaxar a tutela policial do José e deu o caso por encerrado.
Liberado do hospital, José sem entender bem o que se passara e sem saber como reclamar seus direitos, descobriu que havia perdido a carteira e também os óculos durante a briga e teve que enfrentar cerca de doze quilômetros a pé para chegar em casa.
Quando entrou na favela todo remendado sob os olhares curiosos dos vizinhos, onde sua esposa desesperada o aguardava sem ter a menor ideia do que lhe acontecera, José finalmente sentiu-se seguro. Sentou-se sobre uma pedra em frente ao seu barraco e começou contar seu drama. Calados sua mulher e seus dois filhos, ouviram tudo e no final perguntaram o que seria deles durante aquela semana sem dinheiro para as compras.
Ligado na TV do vizinho que morava em frente e na voz do locutor do Jornal Nacional que dando o resultado do sorteio da mega Sena acumulada, ia anunciando um a um todos os números que há anos, todas as semanas ele jogava e que por culpa do incidente não poderá jogar naquele sábado. Soluçando, murmurou baixinho:
- Por que tamanho castigo Senhor!