Decomposição
Na parede o relógio: quinze para as três, marca a mesma hora faz um mês. Parado, estático, sem tic tac.
O calendário com folhas amarelas, pendurado agosto. Não que seja essa a data, mas ninguém se importa, deixa lá toda torta.
No telhado, goteiras. No chão molhado, sujeira trazida pelo vento, pelo tempo. Poeira nos móveis, teias de aranhas nas portas e janelas. E um feixe de luz entra através de um buraco na telha, em meio aquela escuridão a única luz que se vê.
No quarto, a cama quebrada, um guarda roupas sem porta, os quadros sem fotos e palavras aleatórias escritas no chão, feitos a dedos com tinta vermelha, palavras de tristeza, agonia, frieza, palavras de solidão.
No banheiro, retratos cortados jogados no piso, riscados, amassados, queimados, retratos sem risos. Me dá arrepios descrever esse lugar: o que será que houve aqui? Não há ninguém pra me explicar.
E na cozinha, a louça suja foi esquecida em cima da pia. Ratos, moscas e baratas dividem espaço, e o resto de comida que ficou em uma bacia.
Na sala um corda, amarrada na porta, vai subindo até o teto, algo enrolado em um lençol não consigo ver nessa escuridão.
Acendo uma vela: meu Deus que absurdo, que horrível, que susto, um corpo enforcado, decomposição.