AO PÉ DO BALCÃO

Estava circulando por entre as gôndolas, em um novo supermercado. Gastando tempo, conferindo a roupagem atraente dos produtos. Tantas marcas, tantas cores, tantos formatos, tantas vantagens... quanta diversidade! Já aconteceu comigo e com todo mundo... ou quase: você chega ao caixa do supermercado para passar as compras e o valor da conta é bem maior que o imaginado. Você sai da loja encucado, revoltado; matutando “como os preços subiram! ”

Os preços têm disparado, não podemos negar, mas o grande problema é que nós, consumidores, somos impulsivos, vulneráveis; presas fáceis. A gente está sempre em busca do que é novo, do que é atraente, mais prático ou simplesmente diferente. Muitas vezes o essencial vira supérfluo e o supérfluo vira essencial. Estamos vivendo num universo cada vez mais consumista e competidor.

Antigamente, não tínhamos muitas coisas e nem muitas marcas. As coisas duravam mais. Algumas porque eram boas de fato, outras porque eram bem reaproveitadas. Latas vazias transformavam-se em vasos de plantas e canecas, garrafas serviam para transportar leite fresco, garapa, pinga e outras coisinhas mais.

Quem morava no interior não tinha muitas opções de compras. A vida era bem mais simples. Foi refletindo sobre isso que, um dia desses, o pensamento me conduziu a uma daquelas vendinhas de antigamente. Atravessei o túnel do tempo e dei de cara com um balcão, sob o qual giravam uns bombonieres cheios daquelas delícias que adoçavam a infância. Vi num canto, uma mão ágil a bombear o Querosene Jacaré, da lata para uma garrafa. A lembrança do cheiro forte e marcante que impregnava o ambiente, evocou a imagem do candeeiro se apagando com um sopro, soltando a fumaça escura e densa que, ao longo de muitas noites, tingiu de preto parte da parede e do telhado de meu quarto. Senti vontade de estar outra vez encolhida sob um cobertor de lã, escutando o chiado da palha nova do colchão e o atrito da chuva contra as telhas.

De repente, essa lembrança se dissipou tal qual a fumaça e uma voz muito cortês, chegou aos meus ouvidos.

- O que a menina bonita deseja?

Puxei da memória uma lista de compras. Desejei primeiramente um quilo da manteiga de sabor inigualável, que vinha numa grande lata, e que se pesava na hora, numa daquelas balanças de dois pratos, que tinham aqueles tarugos de bronze de vários gramas. Após a pesagem, pedi um pedaço de sabão pintado, e ele, prontamente apoderou-se de uma faca e cortou parte da enorme barra. Lembrei da pedra de anil que era para realçar o branco dos lençóis enquanto as roupas ensaboadas ficavam ao sol, espalhadas no quarador. Quis também a pasta Kolynos, que vinha em tubo de alumínio e a gente apertava, apertava, e aproveitava até o último grama. Meu Deus! Eu desejei até a cera Colmeína! O pesadelo das manhãs de antigos sábados. Quis também o papel higiênico Copapa, que era grosso e vinha embrulhado um a um; também o sabonete Vale Quanto Pesa, uma lata de goiabada Cica (coisa igual nunca mais vi), uma lata de óleo Violeta e um pacote daquele macarrão que vinha embrulhado em papel roxo. Os cereais, as verduras e as frutas, que tinham as épocas certas, eram adquiridos na feira.

E, depois de tudo, a compra foi registrada numa daquelas cadernetinhas de anotar fiado.

Antes de atravessar a porta, sem atravessar ainda o túnel do tempo, vi um primo chegar esbaforido e pedir, tropeçando nas palavras e nas medidas: - “Bututu” (Brucutu), minha mãe mandou buscar uma barra de açúcar e um “tilo” de sabão.

Lembranças, doces lembranças! Sacudi a cabeça e segui pensando que, na fluidez do cotidiano, compensamos nossas frustrações com coisas materiais. As coisas físicas sobrepõem-se cada vez mais às coisas do espírito. Ficamos cada vez mais práticos; gozamos cada vez mais da liberdade de escolha e ficamos cada vez mais exigentes. Hoje a gente tem frutas que vêm com etiquetas! E nem por isso são mais gostosas que aquelas que nascem e crescem espontaneamente nos quintais e campos. Tem coisa mais sem graça do que goiaba de supermercado?! Quanto mais a gente busca praticidade, mais a vida fica difícil.