Terrão: forma personalidade e molda caráter

Porque eu cresci jogando futebol num campinho de terra na Fazenda Botafogo.

Campo. Campinho. Terrão.

De manhã até umas 11h mais ou menos, depois muito sol. À tarde, umas 16h. Até às 23h.

Medidas longe das oficiais, dois times de 7 para cada lado com seis na linha. Com duas pessoas, cobranças alternadas de pênaltis ou chutes de média/longa distância valendo um refri – Tobi, por favor – ou sacanear a vergonha alheia. Com três, linha de passe ou um toque ou cascudinho/dois na linha e um no gol, podem ser pênaltis ou as cobranças também. Com 4, vem a possibilidade de rebatida/duplinha de praia ou linha de passe; se houver disposição, artilheiro usando o campo todo. Com 5, ver as anteriores e coloca um na de fora só para aumentar a vontade e ter quem cornetar.

Campo desnivelado, terra. Pedras, lixo, poças, cocô. Obstáculos que ora são amigos dos zagueiros para dificultar os dribles dos atacantes ora são os montinhos artilheiros ou quem ajuda a levantar a bola no momento ideal. Fazem sangrar, fazem mancar, pular, desviar, rir.

Não precisa pagar para jogar. Nem marcar hora. Só chegar. Sozinho ou acompanhado. De repente, faz-se a geração espontânea dos peladeiros e dois viram 14 com mais 10 na de fora. Todo mundo pode jogar. É questão de honra, cavalheirismo, gentileza, parceiragem e tudo mais ver aquele cara tímido sentado olhando de longe e chamá-lo para jogar. Não tem nome, nem vai para o Face, mas o futebol precisa disso. Exige.

Também tem espaço para o gordinho, que vai para a zaga ou para a banheira, a natureza marca; de repente ele mita. O menor tem que jogar, assim já aprende e daqui a pouco é o primeiro a ser escolhido. As meninas entram e humilham. O coroa aleatório que chega de fanfarronice querendo dar uns chutinhos é o doutrinador a ser respeitado.

A primeira é de 3. As outras são de 2. Marca o tempo aí, dez minutos ou 2 gols. Quem perde paga o refri, mas todo mundo bebe. De chuteira, que às vezes voa e para lá no fio. Descalço porque assim a bola gruda no pé. De chinelo... não, fala sério. Com camisa ou sem camisa. Boné só se jogar muito, senão paga de otário.

Vai, dibra. Dibra.

Terra, suor, sangue, risos e lágrimas.