A SEXTA-FEIRA SANTA NA CASA DE MINHA AVÓ

Minha avó já amanhecia com a cara séria e taciturna logo pela manhã. Quem a via daquele jeito, toda acabrunhada, exigindo a obrigação do silêncio, diria que algo muito sério havia acontecido. Logo ela que sempre fora uma mulher jovial, divertida e brincalhona o tempo todo, mas na Sexta-feira Santa era para ser um dia triste.

- Mataram o Nosso Senhor! – Dizia ela solenemente encurvada, com o terço preto nas mãos trêmulas e a face confiscada por uma pronunciada e profunda melancolia.

Eu, meu irmão e minha irmã, ainda pequenos, ficávamos assustados com aquela transformação de minha avó. Alguém havia morrido realmente.

Na casa dela, nesse dia fatídico e proibitivo, minha avó fazia várias recomendações que tínhamos que seguir à risca e em silenciosa obediência.

Ela dizia, por exemplo, que se numa casa estiver treze pessoas e todas se sentarem na mesma mesa do almoço, uma delas — a que for mais velha ou a mais jovem — morrerá ao cabo de poucos dias. Isso era assustador. Nós, ainda meninos, tínhamos tanto medo que preferíamos comer sentados no chão, só para garantir.

Outra coisa que ela dizia era que na Sexta-feira da Paixão não se pode cortar as unhas de jeito maneira!

- Porque faz unheiro, a pessoa fica com dor de dentes ou as juntas dos dedos podem até mesmo inchar. Só a madrinha de batismo é que pode cortar as unhas de uma criança, mas é melhor que não corte. - Nesse dia, minha avó escondia todas as tesouras e alicates de unha da casa.

- Cuidado para não varrer a casa. Faz mal. Pode ficar com o braço torto, porque vai estar varrendo os cabelos de Nosso Senhor. Ave Maria! – E se benzia toda.

- Também não pode cortar nem se chupa cana.

- Viajar, nem pensar. Também faz mal e é muito perigoso. Conheci um homem que teimou com a mulher, viajou na Sexta-feira Santa e morreu num desastre.

- Também para os homens que são muito teimosos e não acreditam nas coisas sagradas, não podem fazer a barba, pois não se deve olhar no espelho, pois é agouro.

- Também não pode rir. Quem ri na sexta-feira chora no domingo. – Dizia taxativa.

- Para as mulheres que têm o mesmo nome de Maria não devem cortar o cabelo, nem podem se pentear, porque Nossa Senhora Maria Santíssima não se penteou. Se alguma mulher que se chame Maria se pentear nesse dia, vem o Diabo e carrega ela num pacote.

- Socar os temperos no pilão para fazer alguma comida, não pode. É proibido.

- Quando fizer o café, tem que ser tomado amargo, porque os soldados romanos deram fel amargoso ao Nosso Senhor Jesus Cristo – para sempre seja louvado.

- Se pular uma janela na Sexta-feira Santa vira um cachorro.

- Se lavar roupa na Sexta-feira Santa a água se torna suja de sangue e estraga a roupa.

- Não pode falar nome feio que fica com a língua presa e os dentes caem.

- Não pode usar o martelo, nem pode pregar prego, pois está martelando Jesus na cruz.

- Não pode negociar. Quem vender alguma coisa na Sexta-Feira da Paixão, está vendendo Nosso Senhor Jesus Cristo.

- Não pode usar o moinho de jeito nenhum. Se moer milho, em vez de sair fubá sai é o sangue de Jesus.

- Também não se doar nenhuma roupa, porque os demônios estão a postos e podem fazer feitiço com as roupas.

- Também não se pode dançar, nem cantar música de carnaval ou fazer alguma festa pois pode virar mula-sem-cabeça ou lobisomem.

- Se andar para trás ou deixar a chinela emborcada para cima está agourando os pais. Também não pode dormir antes da meia-noite.

Ficávamos ali parados, sentados na varanda, sem nem poder se mexer porque tudo era proibido. Minha avó ficava de olho na gente e de vez em quando nos lembrava de mais uma outra proibição que ela ainda não tinha dito.

Ficávamos ali parados, sentados na varanda, esperando o sábado de aleluia, pois sabíamos que se acabavam as proibições e era dia de alegria.

Jesus ressuscitou.