O cronista com frio

 
Barra pesada para os cariocas. O frio não deu colher de chá nesses últimos dias de julho. Passei-os em casa, enfiado num jogging de lã, traduzindo e copidescando um ou outro original, ouvindo o meu radinho de pilha e folheando Os sertões, de Euclides da Cunha, como reforço psicológico. Uma vez que não uso ar-condicionado nem ventiladores de teto sequer na quadra mais tórrida do verão entre nós, para mim qualquer coisa abaixo de treze graus célsius é pura Sibéria. Perguntem a Betinha, minha ex-mulher e atual amigona do peito, se estou mentindo.

Tiro também pelo gato preto sem dono que todas as noites ronda a janela do meu quarto. Como não consegue mais entrar no apartamento — acho que nunca lhes contei que é apartamento térreo —, contenta-se agora em dormir na nossa varanda de telhas-vãs, onde providenciei para ele um pano grosso, perto de um grande vaso de espadas-de-ogum. Lá pelas tantas da madrugada, voltando da farra com as gatinhas da Lili no prédio da frente, o malandro se deita num pedaço do pano e puxa a outra banda sobre o próprio corpo, deixando apenas a cabeça e o rabo do lado de fora. Mas não exageremos; não parece gente; afinal, com todo o respeito, não imagino ninguém dormindo com o rabo de fora num frio desses.

Pau a pau com o Alto da Boa Vista, tivemos nove graus célsius em Marechal Hermes nas duas últimas noites, e o serviço de meteorologia promete baixar mais neste 31 de julho.

No entanto houve um solzinho mixuruca pela manhã. Quando voltava da padaria pelo Boulevard dos Tamarindos, passei pelas duas escolas públicas junto à Praça XV de Novembro, a tempo de apreciar a garotada toda encasacada em pleno recomeço das aulas. Casacos de todas as cores e feitios, moletons com capuz, calças jeans, mochilas e guarda-chuvas debaixo do braço.

Meu Deus do céu! Há meio século, fizesse frio ou calor, eu entrava na Evangelina (a escola da esquerda, no sentido da estação ferroviária) de calça curta e camisa branca superengomada, obrigando-me a caminhar com os braços de um caubói prestes a sacar os dois revólveres. Me sacanearam muito por isso naqueles tempos.

A verdade é que não me dou bem com o frio. Quando ainda tomava umas e outras, tinha sempre em casa uma garrafa de conhaque para essas ocasiões, ficava bêbado e aquecido. Hoje vou de chocolate, cama e edredom. Ou invento um pouco de saudade, que também funciona.

[31.7.2007]