A Mocinha Que Salvou O Meu Verão
Minha neta vai fazer oito anos e já pensa em se livrar dos pelos escuros dos braços usando 'Blonder' para clareá-los. Já estou imaginando o espanto dela quando olhar bem para os pelos das pernas que são escuros, bem mais escuros. Vai ser um verdadeiro Deus nos acuda.
Hoje, existem várias opções para se livrar dos pelos indesejáveis, mas na minha época, uns quarenta e oito anos atrás, só havia o aparelho de barbear masculino. Ainda não haviam inventado o barbeador descartável, por isso era preciso comprar lâminas da marca Gilette ou Shick. Em 1974, a Bic apresentou o primeiro aparelho de barbear descartável ao mundo e a resposta da Gilette veio só dois anos mais tarde. Nunca vou me esquecer da minha primeira experiência com o maldito barbeador. Com certeza, não sou a única que tem trauma dessa 'arma' .
Deveria ter uns oito anos quando numa certa tarde de verão ouvi três amigas adolescentes comentando sobre os pelos das pernas enquanto duas amiguinhas e eu tomávamos sorvete na calçada de casa e ouvíamos música numa vitrolinha portátil.
Uma das adolescentes falou que a mãe a mataria na certa se ela aparecesse com suas pernas raspadas. Ela colocou as pernas à mostra e disse, "Nem são tão peludas assim. Não acham?" As outras duas concordaram balançando suas cabeças. Uma outra disse que se livrou dos pelos das pernas com o novo barbeador elétrico do pai. A terceira orgulhosamente exibia suas pernas recentemente raspadas com o barbeador do pai que pegou 'emprestado'. "Usei o barbeador rapidinho. Lavei, sequei e botei de volta no armário do banheiro. Amanhã quando meu pai for usar, nem vai perceber". Não me encontrava ao lado dessa menina, mas consegui dar uma boa olhada nas pernas dela que eram bem lizinhas mas vi que tinha um corte pequeno ali e acolá nas suas pernas. Pelo jeito haviam pequenos riscos. Notei que suas pernas ainda tinham alguns pelos escuros que conseguiram escapar da Gilette do barbeador do pai.
Só sei que depois daquela tarde e das peludas confidências, não consegui parar de pensar em me livrar dos pelos das minhas pernas. Como poderia raspar os pelos sem ninguém saber? O meu Pai fazia a barba todo santo dia. Era quase um ritual. Na certa perceberia que o aparelho havia sido usado. A minha Mãe tinha o seu próprio aparelho que era guardado dentro da sua nécessaire dentro de uma caixinha cor de rosa. Conseguir pegar o seu barbeador era uma missão impossível. Meus irmãos ainda cultivavam aquela penugem sem graça no rosto. Os dias passavam e a ideia não saia da minha cabeça até que um dia o meu Pai nos contou que iria pescar em alto mar com alguns amigos e colegas do trabalho. Seriam três dias que passaria fora. Agora, era só torcer para ele não levar o barbeador.
O grande dia chegou e meu Pai saiu logo cedo. Acordei junto com ele, mas fiquei quietinha na minha cama. Assim que o meu Pai saiu, fui matar a minha curiosidade. Teria ou não acesso ao barbeador? Fui logo ao banheiro, abri o armário e lá estava o objeto mais cobiçado daquele verão: o barbeador.
Aproveitei o silêncio daquela madrugada e me tranquei no banheiro. Peguei o barbeador e o analisei bem. Não me parecia um bicho de sete cabeças. Ao meu parecer, eliminar os pelos das minhas pernas seria como sentar no pudim.
As meninas haviam comentado que era bom passar um pouco de creme de barbear nas pernas e depois raspar os pelos. Peguei a lata de creme de barbear do meu Pai e apertei o botão. Saiu muita espuma que parecia com chantilly e aquele cheirinho de menta era muito gostoso. Espalhei aquele creme todo nas minhas pernas finas de menina de oito anos e deslizei o aparelho de barbear suavemente pela minha pele. Nada complicado, pensei, e fui raspando as pernas, fui raspando num ânimo só até ... Ai! Até sentir a lamina arrancar um pedação da minha pele logo abaixo do joelho. Se gritei? Obviamente que berrei, mas ninguém ouviu. Controlei as minhas emoções e aquele choro de dor, muita dor, e procurei estancar o sangue com papel higiênico. Não bastava a tragédia, ainda tinha que limpar aquele sangue todo que derramou pelo chão. Não podia deixar nenhum vestígio da minha desgraça. Acabei com o rolo de papel higiênico, joguei tudo na privadae dei descarga mas antes, rezei muito para não entupir o vaso sanitário.
(OBS: O fato ocorreu em 1969 e eu morava nos EUA. Papel higiênico desconhece cesto de lixo nos States. Vai direto pro vaso sanitário. Quando vim morar no Brasil estranhei muito os cestos nos banheiros.)
Tirei toda aquela espuma que ficou nas minhas pernas e fui atrás do Merthiolate, aquele bendito anti-séptico. Sabia que precisava passar o Merthiolate para evitar desgraça maior. Segundo minha Mãe, o remédio era necessário para qualquer ferimento ou machucado, principalmente quando era um corte. Naquele momento, o Merthiolate seria minha única salvação. O corte era grande e profundo e eu já pensava em amputação se não cuidasse bem daquele ferimento.
Sem pensar muito, derramei quase todo o Merthiolate naquele frasco sobre o corte. Se gritei? Claro que não. Engoli o grito, orgulho e choro. Não sei como aguentei segurar tudo aquilo de uma vez só.
Ao ver a pele 'fatiada' presa naquele vãozinho do barbeador com um pouco de sangue, pensei naquela maldita hora que fui me deixar levar naquela conversinha besta daquelas meninas mais velhas. Queria morrer naquele momento, mas não podia, ainda não, pelo menos, por que tinha que limpar, lavar e guardar a prova da travessura.
Saí do banheiro como se tivesse fugindo da prisão e fui direto para o meu quarto. Achei o consolo que precisava na minha cama e acabei dormindo.
Eu aos 8 anos no Domingo de Páscoa de ´69.
Acordei com a minha Mãe ao meu lado me chamando: "Patty! Patty! Patty!" Ela parecia muito preocupada. O rosto dela estava mais branco do que uma vela. "O que foi, Mamãe!?" Ela me perguntou: "Por favor, diga para Mamãe, o que houve com você no banheiro, minha filha?" Deus meu! Como é que ela sabia? Ela é mãe, né. As mães sabem tudo. Até sabem das coisas antes delas acontecerem. Enquanto confessava a minha infeliz experiência com o barbeador, notei que seu rosto ia perdendo aquela palidez e ela ficava mais e mais aliviada e tranquila ao ouvir a minha história. Quando terminei, ela soltou um, "Graças a Deus!"
Minha priminha e eu
Nossa! Fiquei perplexa. Imaginei que ela fosse cuspir fogo que nem aqueles dragões nos desenhos animados. Resolvi ficar na minha, se não as minhas férias acabariam ali mesmo.
Logo mais, naquela mesma manhã de verão de muito sol, ouvi sem querer a conversa entre minha Tia e minha Mãe.
"Então, mocinha?", perguntou a Tia Vera. Minha Mãe respirou aliviada e disse, "Graças a Deus, não, Verinha. Apenas uma travessura de menina. Mocinha aos oito anos seria um pecado. Tomara que leve mais alguns bons anos".
Mocinha? A minha mente automaticamente fazia a tradução: Little girl? Little lady? Não entendi nada. Só sabia que a tal 'Mocinha' me salvou de um baita castigo naquele verão de 1969.
Minha neta vai fazer oito anos e já pensa em se livrar dos pelos escuros dos braços usando 'Blonder' para clareá-los. Já estou imaginando o espanto dela quando olhar bem para os pelos das pernas que são escuros, bem mais escuros. Vai ser um verdadeiro Deus nos acuda.
Hoje, existem várias opções para se livrar dos pelos indesejáveis, mas na minha época, uns quarenta e oito anos atrás, só havia o aparelho de barbear masculino. Ainda não haviam inventado o barbeador descartável, por isso era preciso comprar lâminas da marca Gilette ou Shick. Em 1974, a Bic apresentou o primeiro aparelho de barbear descartável ao mundo e a resposta da Gilette veio só dois anos mais tarde. Nunca vou me esquecer da minha primeira experiência com o maldito barbeador. Com certeza, não sou a única que tem trauma dessa 'arma' .
Deveria ter uns oito anos quando numa certa tarde de verão ouvi três amigas adolescentes comentando sobre os pelos das pernas enquanto duas amiguinhas e eu tomávamos sorvete na calçada de casa e ouvíamos música numa vitrolinha portátil.
Uma das adolescentes falou que a mãe a mataria na certa se ela aparecesse com suas pernas raspadas. Ela colocou as pernas à mostra e disse, "Nem são tão peludas assim. Não acham?" As outras duas concordaram balançando suas cabeças. Uma outra disse que se livrou dos pelos das pernas com o novo barbeador elétrico do pai. A terceira orgulhosamente exibia suas pernas recentemente raspadas com o barbeador do pai que pegou 'emprestado'. "Usei o barbeador rapidinho. Lavei, sequei e botei de volta no armário do banheiro. Amanhã quando meu pai for usar, nem vai perceber". Não me encontrava ao lado dessa menina, mas consegui dar uma boa olhada nas pernas dela que eram bem lizinhas mas vi que tinha um corte pequeno ali e acolá nas suas pernas. Pelo jeito haviam pequenos riscos. Notei que suas pernas ainda tinham alguns pelos escuros que conseguiram escapar da Gilette do barbeador do pai.
Só sei que depois daquela tarde e das peludas confidências, não consegui parar de pensar em me livrar dos pelos das minhas pernas. Como poderia raspar os pelos sem ninguém saber? O meu Pai fazia a barba todo santo dia. Era quase um ritual. Na certa perceberia que o aparelho havia sido usado. A minha Mãe tinha o seu próprio aparelho que era guardado dentro da sua nécessaire dentro de uma caixinha cor de rosa. Conseguir pegar o seu barbeador era uma missão impossível. Meus irmãos ainda cultivavam aquela penugem sem graça no rosto. Os dias passavam e a ideia não saia da minha cabeça até que um dia o meu Pai nos contou que iria pescar em alto mar com alguns amigos e colegas do trabalho. Seriam três dias que passaria fora. Agora, era só torcer para ele não levar o barbeador.
O grande dia chegou e meu Pai saiu logo cedo. Acordei junto com ele, mas fiquei quietinha na minha cama. Assim que o meu Pai saiu, fui matar a minha curiosidade. Teria ou não acesso ao barbeador? Fui logo ao banheiro, abri o armário e lá estava o objeto mais cobiçado daquele verão: o barbeador.
Aproveitei o silêncio daquela madrugada e me tranquei no banheiro. Peguei o barbeador e o analisei bem. Não me parecia um bicho de sete cabeças. Ao meu parecer, eliminar os pelos das minhas pernas seria como sentar no pudim.
As meninas haviam comentado que era bom passar um pouco de creme de barbear nas pernas e depois raspar os pelos. Peguei a lata de creme de barbear do meu Pai e apertei o botão. Saiu muita espuma que parecia com chantilly e aquele cheirinho de menta era muito gostoso. Espalhei aquele creme todo nas minhas pernas finas de menina de oito anos e deslizei o aparelho de barbear suavemente pela minha pele. Nada complicado, pensei, e fui raspando as pernas, fui raspando num ânimo só até ... Ai! Até sentir a lamina arrancar um pedação da minha pele logo abaixo do joelho. Se gritei? Obviamente que berrei, mas ninguém ouviu. Controlei as minhas emoções e aquele choro de dor, muita dor, e procurei estancar o sangue com papel higiênico. Não bastava a tragédia, ainda tinha que limpar aquele sangue todo que derramou pelo chão. Não podia deixar nenhum vestígio da minha desgraça. Acabei com o rolo de papel higiênico, joguei tudo na privadae dei descarga mas antes, rezei muito para não entupir o vaso sanitário.
(OBS: O fato ocorreu em 1969 e eu morava nos EUA. Papel higiênico desconhece cesto de lixo nos States. Vai direto pro vaso sanitário. Quando vim morar no Brasil estranhei muito os cestos nos banheiros.)
Tirei toda aquela espuma que ficou nas minhas pernas e fui atrás do Merthiolate, aquele bendito anti-séptico. Sabia que precisava passar o Merthiolate para evitar desgraça maior. Segundo minha Mãe, o remédio era necessário para qualquer ferimento ou machucado, principalmente quando era um corte. Naquele momento, o Merthiolate seria minha única salvação. O corte era grande e profundo e eu já pensava em amputação se não cuidasse bem daquele ferimento.
Sem pensar muito, derramei quase todo o Merthiolate naquele frasco sobre o corte. Se gritei? Claro que não. Engoli o grito, orgulho e choro. Não sei como aguentei segurar tudo aquilo de uma vez só.
Ao ver a pele 'fatiada' presa naquele vãozinho do barbeador com um pouco de sangue, pensei naquela maldita hora que fui me deixar levar naquela conversinha besta daquelas meninas mais velhas. Queria morrer naquele momento, mas não podia, ainda não, pelo menos, por que tinha que limpar, lavar e guardar a prova da travessura.
Saí do banheiro como se tivesse fugindo da prisão e fui direto para o meu quarto. Achei o consolo que precisava na minha cama e acabei dormindo.
Eu aos 8 anos no Domingo de Páscoa de ´69.
Acordei com a minha Mãe ao meu lado me chamando: "Patty! Patty! Patty!" Ela parecia muito preocupada. O rosto dela estava mais branco do que uma vela. "O que foi, Mamãe!?" Ela me perguntou: "Por favor, diga para Mamãe, o que houve com você no banheiro, minha filha?" Deus meu! Como é que ela sabia? Ela é mãe, né. As mães sabem tudo. Até sabem das coisas antes delas acontecerem. Enquanto confessava a minha infeliz experiência com o barbeador, notei que seu rosto ia perdendo aquela palidez e ela ficava mais e mais aliviada e tranquila ao ouvir a minha história. Quando terminei, ela soltou um, "Graças a Deus!"
Minha priminha e eu
Nossa! Fiquei perplexa. Imaginei que ela fosse cuspir fogo que nem aqueles dragões nos desenhos animados. Resolvi ficar na minha, se não as minhas férias acabariam ali mesmo.
Logo mais, naquela mesma manhã de verão de muito sol, ouvi sem querer a conversa entre minha Tia e minha Mãe.
"Então, mocinha?", perguntou a Tia Vera. Minha Mãe respirou aliviada e disse, "Graças a Deus, não, Verinha. Apenas uma travessura de menina. Mocinha aos oito anos seria um pecado. Tomara que leve mais alguns bons anos".
Mocinha? A minha mente automaticamente fazia a tradução: Little girl? Little lady? Não entendi nada. Só sabia que a tal 'Mocinha' me salvou de um baita castigo naquele verão de 1969.