Aqui, ali, lá e acolá!
“Memória de um tempo onde lutar por seu direito é um defeito que mata”. Gonzaguinha cantava esses versos dedilhando o violão numa melodia triste e cadenciada. Mas, em um determinado momento, o violão calava e, como num discurso, um protesto era erguido, espalhando-se através de uma pequena memória para um tempo sem memória. Histórias que a história tem nos contado acerca de um tempo circunscrito por ‘obscuros personagens e passagens’.
Gonzaguinha compôs e gravou a referida canção no ano de 1981 sob uma ditadura militar que arrastou tantos ‘Juvenais e Raimundos, tantos Júlios de Santana’ para os seus porões selvagens, bestiais e desapiedados. E ali muitas, muitos foram aprisionados injustamente, torturados no corpo, aniquilados na alma. Sinto que, mais do que nunca, precisamos rememorar o tempo em que a liberdade fora cerceada por uma ditadura que abocanhou violentamente a democracia, a mesma que nos rege nesse momento da história. No entanto, reconheço: a democracia não é algo fácil!
“Eles” estão aqui, ali, lá e acolá aprovando e legislando em causa própria. “Eles” aqui, ali, lá e acolá estão ignorando o clamor vindo do povo. “Eles” estão aqui, ali, lá e acolá exercendo uma posição política chancelada pelo povo vivendo numa democracia.
Percebem? Não é algo fácil!
Numa democracia eu preciso conviver com quem diverge das minhas posições. Conviver com o fato de que alguns escolhem bons políticos, entretanto outros escolhem maus políticos. Conviver com a participação ativa e engajada de uns e com a inércia, apatia e indiferença de outros. Conviver com a constatação de que o povo merece o político que tem e vice-versa.
Aqui, ali, lá e acolá “eles” têm, incansavelmente, alardeado uma crise e, por isso, a necessidade de medidas fiscais enérgicas que sobrecarregam o fardo do povo, ‘dos humilhados e ofendidos, explorados e oprimidos’ que até podem encontrar outra solução; mesmo assim, aqui, ali, lá e acolá “eles” continuam se perpetuando no poder, refestelando-se das benesses advindas da autoridade legitimada pela escolha democrática do povo.
À vista disso, contemplamos a discordância entre a democracia real e o ideal democrático. Assim, retomo a definição, quanto à democracia, do importante filósofo e teórico político do iluminismo Jean-Jacques Rousseau, quando escreveu sobre este ideal: “uma sociedade só é democrática quando ninguém for tão rico que possa comprar alguém e ninguém seja tão pobre que tenha de se vender a alguém”.
“Aquele que tem ouvidos para ouvir, que ouça!” (Mateus 13,9).