Cabelos Brancos

O telefone tocou. Era Liah.

Atendi e ela logo disse.

-Olha, não vou poder ir te ver hoje. Não to afim.

- Ok.

- Você vai ficar chateado?

- Não. Tá tudo bem.

- Tem certeza?

- Tenho. Não se preocupe.

Desliguei antes que ela continuasse.

Larguei o telefone no cesto de roupa suja e rolei sobre a cama.

Era sempre assim quando eu me preocupava com alguma mulher. Não sei por que eu ainda me surpreendia.

Pensei em encher a cara, mas a ressaca do dia anterior ainda me embrulhava o estômago.

Fui na minha estante e peguei um livro pra ler. Só consegui ler duas ou três páginas antes de me perder completamente em meus pensamentos. Desisti...

Tentei dormir, mas tava foda. A cabeça não parava.

Tomei um banho gelado, fiz a barba, me vesti e lavei os pratos.

As horas iam se arrastando e eu continuava puto da vida. Era uma falta de consideração do caralho da parte dela, mas eu estava mais irritado comigo mesmo por me incomodar. Certas coisas nunca mudam. Nesse ponto eu nunca mudei. Vou sempre esperar o melhor dos outros mesmo quando é improvável que eu receba isso.

Ser adulto não é fácil. Viver não é fácil.

Catei o telefone no meio das roupas. Tinham três ligações não atendidas. Não era Liah. Essa ai tava cagando e andando.

Era Lucy.

Retornei a ligação e ela atendeu rapidamente.

- Oi, você me ligou?

- Liguei. Tava precisando falar com você.

- Estou aqui.

- Meu namorado me deixou.

- Não sabia que você tinha um namorado.

- Não era bem um namorado, ela disse... Mas acho que eu queria que ele fosse.

- As vezes acontece isso mesmo.

- Queria que ele morresse, mas o amo muito.

- Deve amar mesmo. Mas... posso fazer algo por você?

- Posso ir ai?

- Olha Lucy, eu não estou muito bem hoje.

- O que foi? Brigou com uma de suas mulheres?

- Não me dei esse trabalho.

- Então por que o mau humor?

- Acho que só quero ficar sozinho. Você me desculpa?

- Está tudo bem. Te vejo amanhã?

- Sim. Depois do trabalho podemos tomar uma cerveja.

- Ótimo então. Vou tentar não ligar pra ele.

- É o melhor que você faz.

- Você é um bom amigo, mesmo que não ache isso.

- Duvido, mas fico feliz que você ache.

Desligamos.

Sentei na cama, um pouco menos chateado.

Lucy podia ser ingênua, mas se preocupava comigo, e eu com ela.

Era difícil conseguir uma relação recíproca de qualquer tipo, nesses tempos.

Acho até que ela me dava mais atenção do que recebia em troca, o que soava quase natural.

Eu era um cara de trinta e tantos anos, solteiro, solitário e ranzinza, com mais cicatrizes e batalhas perdidas do que eu poderia contar. Ela era uma jovem de vinte e poucos, ainda esperançosa da vida. Sua amizade me servia de um eterno lembrete de como o tempo pode nos derrotar e nos tornar amargos. Ela era feliz e não sabia. Já eu, tinha certeza de que a felicidade era pra poucos e raramente durava muito.

Divaguei por muito tempo antes de chegar a conclusão de que no fundo eu era um idiota.

Se Liah tivesse vindo me ver, como o combinado, provavelmente eu não estaria com um humor tão ácido. Percebi que estava novamente depositando meu bem estar no lugar errado.

Era como se eu sempre apostasse num cavalo azarão e esperasse uma vitória certa.

De vez em quando eu tinha sorte, mas na maior parte das vezes eu terminava com raiva de mim mesmo por sempre fazer o mesmo tipo de escolha.

Vai ser burro assim no inferno... Pensei.

Ou talvez eu seja apenas um viciado em mulheres difíceis.

Talvez eu fosse mais ingênuo que Lucy e minha idade não tenha me servido de nada, a não ser para me dar um ou outro cabelo branco.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 07/11/2016
Código do texto: T5815839
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