Crônica do arrependimento
Finalizo agora este texto.
Depois de ter tirado do fundo da terceira gaveta da mesa antiga, colocada no escritório bagunçado, a caneta de tinta azul por acabar, a mesma que me presenteei há alguns anos e que foi a responsável por eu chegar até aqui.
Agora, a caneta está quieta, gelada. Chateada, não quer mais trabalhar.
Conversei com ela tal qual alguém fala com seu amigo. Expliquei os motivos de tê-la deixado de lado por muito tempo, como jamais costumei fazer. Ao contrário: ela sabe que sempre foi a melhor amizade dos meus dias. A deixei guardada no escuro da gaveta, junto a papéis amassados e ideias que perdi. Entendo, agora, o seu desgosto e porque não quer colocar nestas linhas as minhas desculpas.
Ela é muito bonita. Tem a pele dourada com detalhes prateados e brilha como seu protagonismo. A maciez com que versa nas linhas de qualquer papel me deixa confortável para nunca mais tirá-la do meu lado. Mas, um dia foi preciso. A deixei.
Me lembro bem a última frase que ela me ajudou a desenhar. Falávamos, como sempre, do amor e dizemos poemas para uma folha amarela de um caderno de brochura. Tínhamos a combinação perfeita, mas as letras que aprendi a registrar não estavam a sua altura. Pobrezinha nunca interpretou outras ilusões, outras caligrafias mais bem-feitas. Mas, nunca reclamou. Até agora, que não quer trabalhar.
Então, liguei o computador. Deixei a caneta de lado com um nó na garganta e me aproximei dessas teclas desgastadas, vítimas do tempo e exaustão após muitos textos que registraram.
Letras brancas de um teclado preto barulhento, que me ajudariam a escrever nestas mesmas linhas um artigo opinativo sobre a política de nosso país. Mas que se comoveram, como os dedos que as examinam, por uma caneta de tinta azul e corpo dourado, jogada no fundo da gaveta, que foi por tanto e tanto tempo a minha melhor amiga.