QUANTO VALE UMA EMOÇÃO?

Filho! Acorda! Não podemos nos atrasar. Clareava e o sol aparecia no horizonte. O curió na gaiola cantarolava saudando o dia. Rapidamente levantei e me arrumei para aquela aventura. Eu ia pescar pela primeira vez. Meu pai me apressava a todo instante. Enquanto minha mãe servia o café da manhã ele separava o material da pescaria. Na areia o barco nos esperava. Colocamos tudo dentro dele: material de pesca, água, algum alimento, bonés para proteger do sol e assim já devidamente acomodado na proa eu observava ansioso meu pai ajudado por amigos a empurrar o barco para a água. Em breve naquele mar espelhado e sem ondas o barco se afastava impulsionado pelo motor de popa. A minha satisfação era indescritível! A liberdade que eu sentia só podia ser comparada com a liberdade da gaivota que nos acompanhava num vôo solitário naquele imenso céu azul.

Sentado na proa do barco e com os pés na água eu me sentia um desbravador, um marinheiro em busca de aventuras. Meu pai sentado na popa manobrava atento o motor do barco, cuidando do rumo e evitando os obstáculos a frente como arrecifes e outras embarcações. Eu olhava para trás de vez em quando admirado de ver meu pai manobrando o motor. Era o meu herói guiando-nos para aquela aventura de forma segura e obstinada. Meu pai sorria para mim como se estivesse orgulhoso do filho comportando-se na proa da embarcação como se fosse um veterano.

Enfim chegamos ao ponto onde nossa pescaria começaria. Meu pai desligou o motor, jogou o ferro (âncora) n’água e começou a preparar as linhas de pesca. Em pouco tempo estávamos com as linhas a fundo sentindo as beliscadas dos peixes. Uma gaivota rodeava o barco de quando em vez, talvez imaginando que teríamos sorte na pescaria e que algum peixe sobrasse para ela. Atrevo-me a pensar que era a mesma gaivota que nos acompanhou durante o percurso até o pesqueiro. Uns dez minutos após senti um enorme puxão na linha, quase a arrancando de minhas mãos. Gritei desesperado: pai! corre aqui! Meu pai riu e disse: segure firme, marinheiro. Vai deixar o peixe levar a sua linha? Assim o fiz e sempre observado pelo meu pai depois de algum tempo de luta o peixe finalmente se rendeu enquanto eu puxava a linha de pesca. Coloquei-o dentro do barco e observei nervoso que o peixe se debatia tentando livrar-se do anzol. É um badejo meu filho. Parabéns! Você pescou seu primeiro peixe. Meu pai com um certo cuidado tirou o anzol da boca do peixe e o colocou no balde onde depositaríamos os pescados. Colocou nova isca no meu anzol e atirou de volta para o fundo. Daquele momento em diante a pescaria mudou para mim. Eu não parava de olhar para o peixe que acabara de pescar se debatendo dentro do balde com pouca água. Parecia sufocado e ansioso por sair dali. Meu pai continuava pescando e nada pegara até o momento. Aquele era o único peixe da nossa pescaria em quase uma hora desde a nossa chegada. Foi então que o meu pai amarrou as linhas dele sentou no banco do meio do barco e começou a conversar comigo. Meu filho é tão bonito o seu sentimento com relação ao peixe! Estou vendo no seu olhar que você está penalizado por vê-lo assim. Deixe que eu te diga uma coisa. Deus fez o céu, o mar, as plantas e todos os seres vivos. Deu a tudo isso o nome de natureza. Existe uma coisa que você precisa saber que se chama cadeia alimentar. Por exemplo, aqui no mar tudo é alimento; os peixes maiores se alimentam de outros peixes menores e assim vai acontecendo até que os peixes pequeninos tenham apenas micro-organismos e algas para se alimentar. Com os seres humanos é diferente, nos alimentamos do que podemos adquirir com o dinheiro ganho com o nosso trabalho. Mas existem outras formas de se conseguir alimentos: caça, plantação, pescaria, por exemplo. Os índios não ganhavam dinheiro no seu trabalho e o seu alimento era retirado da caça, das plantações e da pesca. Mas tudo isso tem que ser feito de forma equilibrada sempre se respeitando os ciclos de procriação dos animais, plantas e peixes, caso contrário poderemos provocar desequilíbrio nos ciclos de reprodução e a extinção das espécies. No nosso caso, estamos praticando uma pescaria. Existem vários tipos de pescarias: esportiva, predatória e para a alimentação. Nós não viemos aqui para pescar de forma desordenada e sim para conseguir algum peixe para nós e para os amigos. Por isso não fique com a consciência pesada por ter pescado o badejo. Era o destino dele.

Escutei atentamente toda a explicação do meu pai, ora olhando para o pobre peixe que se debatia no balde. Mesmo diante de toda aquela explicação eu não conseguia deixar de sentir pena daquele peixe. Meu pai então resolveu me propor um acordo: devolveríamos o badejo ao mar e a partir daí os próximos peixes seriam guardados para levarmos para casa. Concordei de pronto e meu pai disse; agora pegue o badejo, coloque-o na água porém não o solte logo. Deixe que ele se recupere um pouco e quando estiver pronto você o solta. Assim o fiz. Segurei o peixe na água enquanto ele parecia se acalmar e parar de se debater. A seguir o soltei e fiquei observando enquanto ele nadava calmamente sumindo para o fundo. Naquele instante senti uma sensação de paz por ter praticado aquele ato. Parece incrível, mas não demorou cinco minutos após termos soltado o badejo e meu pai fisgou um outro peixe, ele que até então não havia pescado nada. Meu pai riu e disse: viu como foi bom termos praticado a boa ação? A partir daí pegamos outro, e outro e mais outros peixes até completarmos uma quantidade considerável. Meu pai disse: agora temos peixe suficiente para nós e para os parentes e amigos. Além disso está começando a ventar, é melhor voltarmos para casa antes que o mar fique agitado. Ao chegarmos a praia meu pai fez questão de contar para todos a minha atitude para com o badejo e os peixes que ele e eu pescamos a partir daí. Fiquei todo envaidecido e orgulhoso por ter participado da primeira pescaria com o meu pai. Outras tantas se sucederam e sempre voltávamos com peixe não mais que o suficiente para a nossa alimentação.

Naquela noite eu não conseguia conciliar o sono apesar de cansado pela aventura. A emoção de pescar o primeiro peixe depois, sensibilizado ter convencido meu pai a soltá-lo e a satisfação daquele peixe ao retornar ao mar. Vencido pelo cansaço lentamente fui adormecendo e só me lembro de ver meu pai entrando no quarto, acariciando meus cabelos e dizendo: boa noite, marinheiro. Boa noite meu filho. Com um sorriso discreto nos lábios adormeci de vez.

Valdir Barreto Ramos
Enviado por Valdir Barreto Ramos em 24/07/2007
Reeditado em 17/10/2009
Código do texto: T578055
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2007. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.