transporte público

Chegou meu busão.

não pude sentar no lugar de sempre.

os dois jovens, pernas arreganhadas, dentes ao vento, som alto, palavras estúpidas,grasnando, rindo alto, a estupidez, os tapinhas, o vazio, e o vento? estavam sentados onde costumo sentar...

Sento então onde não há vento, e onde o Sol bate durante quase toda viagem, onde não há janela e nem refresco.

No banco de trás ele começa a chupar o dente, e não para. Uma vez. De novo. Mais uma. Fala qualquer coisa, poderia ser até árabe, mas é só o massacre daquela, inculta e bela. Vai encontrar-se com alguém, resmunga, xinga.

Levanto.

Desço do bus. Melhor ir a pé.

Chego ao Metrô.

No metrô, sim, o lugar de sempre. Por quê? A experiência deve servir para eliminar o sofrimento, buscar o bem-estar, que é diferente da felicidade, mas já é um tento. Pelo bem-estar vale a busca do vento, a sombra, o lugar mais perto da porta, eliminar as barreiras, descer perto da escada rolante, longe do meio fio, do massacre da serra elétrica, da turba cruel, de novo as janelas, o destino reto, sentar-se de frente para o mundo em movimento.

Ela senta ao meu lado, olhos inchados, começa a chorar.

Penso eu:

- Chorar só em casa.

Ela tosse. Tosse seca. Sem barulho. Repetidas vezes. Não protege a saliva que pode escapar, não cobre a boca ao tossir. Batuca. Balança a perna.

Outro lugar, de novo só isto: outro lugar. Mas não há.

Segura uma pasta, pasta vagabunda de laboratório. Olha pra mim, olhos arregalados, cabelos crespos, enrolados, cachos grandes e bonitos, os ombros nus, decote. Olha pra mim e mostra o resultado do exame:

"Biópsia de mama... 30 anos... exame anatomonatológico... doença fibrocística... T3... tumor maior que 5 cm..."

Olha fundo pra mim e pergunta:

- O que é que eu vou fazer????

- O que eu sei é que tem um monte de coisas que não se pode fazer em transporte público!

Levanto e saio, chegou a minha parada.