madrinha emilia

Por algum mistério, ainda bem que existem mistérios, a mão dela permanecia jovem. Apesar do sapóleo, da palha de aço, do carvão, de tudo o que já teve amoníaco, da lenha carregada, do eito, dos 94 anos, a mão permanecia jovem.

E o rosto? O rosto também. Mistério, nenhuma máquina pode vir a responder o mistério. Mistério,o rosto esticava com o tempo. Como uma máscara japonesa, como a tarde na praia, o adeus no portão, o amor da madrugada e um sem fim de coisas belas, o rosto esticava e ainda era belo.

Mas o corpo capengava. Pendia prum lado. Hirto, empedrado, sem sofisticação. Primeiro uma bengala, depois a muleta, agora, derradeiramente, cadeira de rodas.

- Vó, não tem mandinga que cure?

A Vó curava, com reza, chá e benzedura. Mas para ela, agora, não.

- Vó, não tem mandinga que cure?

Ela nem desconversava, olhava daquele jeito de olhar no fundo da gente, com jeito de sabe-o-mundo, aquele jeito de aceitar o fardo, a impassibilidade estoica da madrinha.

Dezesseis filhos, sessenta e quatro netos, vinte e três bisnetos, oito tataranetos. Uma criança a caminho, sem jeito de nominar, que ainda não inventaram nome para criança depois de tataraneto.

Da bisavó escutou estória do cativeiro. E das rezas, das benzeduras e chás.E da mandinga, que vence tudo.

Minas, Depois a Casa Verde, a Barra Funda.

O trabalho, em tanto lugar. Casa de Família, Fazenda, Escola, Clube Militar. Até poço cavou. E fábrica de tecido. E de Cigarro. Vassoura, Máquina de costura, Tear.Se falasse que tinha cozinhado em cima do caixotinho pra alcançar o fogão acreditariam. Madrugou na fila do racionamento em 32 e 44. Trabalhou para o Matarazzo e para o Jafet.

Criou filho dos outros. Criou os filhos dos filhos e os netos dos netos.

- Vó, não tem mandinga que cure?

- Cansei.