Necessidades Desnecessárias

Não desejo os anseios de uma mente deturpada. Não, não desejo. Quero os sons de verão do bater de água e do borrifar das ondas. Quero o gosto de tâmaras e o sabor azedo do kiwi. Quero ainda sentir na pele a sensação boa, de chuva ou de sol, tanto faz. O importante é o sentido.

Não desejo estranhezas imparciais dum conjunto de desigualdades, e nem a roda sem aros de uma bicicleta enferrujada. Desejo pedais num pedalinho alojado em um lago sem fim. Com destino para as incertezas, porque de certezas o mundo já está cheio. Desejo voar num céu de nuvens, sem nuvens, com o vento ao cabelo e a eletricidade inestática percorrendo a língua.

Desejo um milhão de coisas, até no ato de não as desejar, mas vejo a vida como a vontade de locomoção de um cachorro de rua, bem preguiçoso. Ele deita, no meio da multidão, e nada é capaz de tirar sua atenção. Não adianta querer que se mova, porque ele não o fará. Ele levanta quando quer, da forma que quer e vai para onde quer. Se você joga água nele, certamente ele fica magoado e não volta mais ali. E nessa, é uma oportunidade com passagem só de ida. Já joguei muitos baldes de água nessa vida, e esperei, também, que algum cheiro a acordasse e a fizesse seguir um caminho delicioso por entre sonhos de padaria e frangos rodopiantes em telas de vidro temperado. Mas nunca é assim.

É sempre confusão. Bagunça. Embolo psicológico, físico, sentimental... novelos de lã se enroscando com linhas das mais variadas cores, que formam padrões estranhos, mas muitas das vezes... belos. Cada agulha tricota de uma forma, e vez ou outra encontramos a loucura abstrata que nos compõe. As frutas, mesclam seus gostos e formam um fruto diferente. A chuva e o sol decidem cair aos mesmo tempo e fazer um casamento catalão para os mais supersticiosos. Tudo que se espera quase nunca se alcança, e quando se alcança, não é como se espera.

Seja correndo e dopados, ou estagnados e centrados, o que queremos não entre em pauta quando se trata de pensar na vida. A gente consegue, claro, porque nem tudo nesse inferno é um inferno, mas especificidade não é o ponto forte do destino de tudo. Vem um genérico, um similar, mas nunca a medicação original. O que a gente faz? Aprende a lidar. É assim, e talvez sempre será, mas o desejo existe. E por ser assim, assim também sempre será. Um dia, quem sabe, o panorama mude. Até lá? Bom, a gente aproveita.