Sociedade sem rumo
Por que as desigualdades e a indiferença se tornam cada vez mais patentes no mundo globalizado?
Podemos tomar duas vias de raciocínio intrinsecamente ligadas: a sociológica (que diz respeito aos avanços da tecnologia e das novas interações sociais) e a psicológica, que trata da maneira como o indivíduo se percebe no processo de transformação sócio-cultual. Na primeira maneira de avaliar a atual situação crítica temos que basear nossa análise nas transformações ocasionadas pelo avanço da informática e das telecomunicações que proporcionou um entrelaçamento global das nações e, consequentemente, das culturas existentes. O fato das mídias cibernéticas produzirem uma interação mais constante entre nações, povos e indivíduos localizados em distintas regiões do globo, possibilitou uma revolução no espaço social. Isso porque agora qualquer pessoa é capaz de buscar por si mesmo as informações que achar relevante, se relacionar com os demais indivíduos dispersos pela esfera terrestre criando novos vínculos nunca antes cogitados.
É concebível que tal advento propiciou a veiculação ubíqua de conteúdos diversificados (ainda mais com a “era da notícia”, onde o ibope parece ser o propulsor das informações divulgadas); os fatos que ocorrem no mundo podem imediatamente vir a público. Como a notícia aterradora, trágica produz mais expectativa, apreende a atenção da população de maneira mais intensa do que notícias brandas, sem um teor “perturbador”, as empresas de telejornais investem avidamente dando a entender que o mundo é um lugar desesperador, sem solução. A verdade é que a repetição infindável dessas notícias no cotidiano dentro dos lares em geral provoca justamente o revés daquilo que supostamente seria sua finalidade: despertar a compaixão e a solidariedade. Com a indiferença nascente – motivada pela banalização das informações – os indivíduos perdem ao pouco o senso de alteridade, não conseguindo mais se enxergar na situação alheia. Basta escolher o horário, o meio de comunicação preferido, o dia da semana para selecionar apenas o que apraz; o mundo pode estar num cataclismo, todavia o sujeito só visa a informação mais barata, digerível, aquela que ele é capaz de compreender e concordar.
Partindo dos pressupostos acima, é possível entender porque a concepção que o indivíduo tem de si mesmo se transformou drasticamente em pouco mais de meio século. A individualidade se acentuou quando o sujeito tornou-se capaz de ser o carro-chefe das relações interpessoais, não precisando mais sair de seu lar para ter contato com seus semelhantes. Cada um é dono de seu mundo, de seu território, faz e desfaz numa velocidade inimaginável trabalhos, pensamentos, amizades, sentimentos. O que de fato favoreceu essa sensação imediatista, de vivenciar o momento como algo mutável, sem qualquer paradigma que defina um critério de ação, foi o sistema econômico capitalista e o mercado consumista, onde o importante é obter lucros através do acúmulo de dinheiro e objetos das mais variadas utilidades. As relações sociais são sempre vistas com algum interesse ou sem qualquer interesse; o efêmero se revela útil quando a intenção é obter vantagens durante um relacionamento ou um serviço. O fetichismo do materialismo faz com que a obtenção de produtos seja um bem em si mesmo, independente da mercadoria consumida, o único obstáculo seria a falta de espaço físico para guardá-los.
No mundo virtual, as pessoas – livres de empecilhos materiais – podem acumular muito mais coisas em formas de arquivos computacionais; podem acumular e descartar sem remorsos, já que são coisas recuperáveis. Já que as pessoas estão interconectadas praticamente todo o tempo na internet, vivem vidas duplas, então não conseguem dissociar o real do virtual, percebendo tudo como se fossem a mesma existência. Vivenciando os fatos com a mentalidade do ciberespaço, o homem acaba deslocando para a realidade sua conduta imediatista: passa a se relacionar afetivamente sem uma pretensão maior, enxerga a vida como algo descartável (pode ser consumida como um produto), torna público seus pensamentos mais insanos, os acontecimentos mais ínfimos que ocorrem em torno de si como se não mais tivesse uma vida privada, embora ache que é dono do mundo onde expõe suas particularidades.
O atual momento social que estamos enfrentando é um momento contraditório, cheio de promessas e temores. Ao mesmo tempo em que as mídias cibernéticas unem as pessoas, as comunidades, elas fomentam as divergências culturais, expondo as peculiaridades de cada região, suscitando um ideal equivocado de que a cultura superior é aquela que possui mais tecnologia. Criam uma nova forma de motivar as interações sociais e produzem o surgimento de uma individualidade totalmente pública, maleável, sem definição, que vive isolada numa poltrona de escritório, na cabeceira de uma cama. O agente passivo dessa nova sociedade não consegue desvencilhar-se da teia global da informatização, mas não desenvolve uma sensibilidade holística; é capaz de julgar criticamente situações absurdas, mas não é capaz de agir para modificá-las.