Torção de 3º Grau
Eu tenho 27 anos e nunca quebrei nada, vejam bem. Leonino, completei eles agorinha dia 18 de agosto. Em janeiro desse ano, alguém lá em cima que estava ocioso pensou, a vida desse garoto tá muito mole. Sempre que vou trabalhar saio de casa meia hora antes do trem para ir a pé até a estação. Caminhada faz bem para tudo. Levo sempre um livro comigo, pois apesar da viagem não ser longa ela é entediante. Um livro me segura melhor no trem, mas na hora de voltar para casa eu sinto muito sono. Começo a ler e de leve a pescar, quando o sono me vence eu deito o livro no meu colo e tiro um cochilo. Daqueles que você só tira gostosinho na condução, em casa ele não vem esse desgraçado.
Eu estava numa cadeira do lado da janela, com o livro aberto no colo, a cabeça apoiada na mão direita que pertencia ao mesmo braço com o cotovelo apoiado na janela e a minha mochila embaixo das minhas pernas, das quais estavam esticadas com a esquerda por cima da direita.
Por quantas vezes sua mãe já deu uns gritos em você por estar sentando errado? Aí quando você sai de cima da perna ela começa a formigar e você por pura agonia e uma dor estranha não consegue colocar ela no chão por um tempo. Pois é, a perna direita dormiu e eu acordei. Quando abri os olhos o vagão estava bem mais vazio comparado a quando eu entrei nele e parado na estação de Mauá, exatamente onde eu precisava descer. Ouvi uns quatro apitos sinalizando que iria fechar as portas e eu teria que descer na próxima estação, trocar de plataforma pegar o trem voltando e parar na de minha cidade de novo. Eu não ia fazer isso não, vou bem descer aqui.
Recordar é viver, minha perna direita estava como? Dormente a danada. Levantei num supetão pronto para correr quando ela foi todinha para trás. Torci. Tentei colocar ela de novo no chão, não rolou. Ela estava toda boba, sem firmeza nenhuma aquela "fi duma égua". Me inspirei em Saci e saí pulando apoiado na outra perna e com os olhares dos passageiros que sobraram voltados para minha pessoa tentando entender o que estava acontecendo. O trem ficou parado esse tempo inteiro, deu tempo de eu sair dele, sentar nos banquinhos da estação e sentir minha pressão baixar. Aí sim aquela porcaria zarpou.
É nessas horas que você tem aquela conversa íntima consigo mesmo: "não desmaia, pelo amor de Deus, não desmaia". Me recuperei, liguei para minha mãe tentando manter um tom calmo: "mãe, não fica preocupada, eu estou bem, porém estou aqui sentado na estação de Mauá, não consigo andar por que eu torci o tornozelo, pega o carro e vem me buscar por favor". Mamãe e seu 1,65m mais ou menos veio e tentou me puxar. Eu sou grandão,1,80m para ser mais exato, não ia rolar né tadinha dela. Chamamos o segurança.
Eu já vou adiantando que sou uma pessoa que gosta de eventos, fui levado numa cadeira de rodas até uma ambulância. Minha mãe entrou comigo. Até ali já era humilhação demais, mas ok vida que segue. A senhora minha mãe, emocionada com o barulho da sirene, me perguntou se podia tirar uma selfie e postar no facebook, rindo litros daquela situação. Eu pensei, eu botei álcool zulu no vinho de Jesus na santa ceia, só pode. Claro que não né mãe. E ela ria como se não houvesse o amanhã. A discrição do ortopedista que me atendeu no posto não podia ser melhor. Com arregalo de olho que ele deu ao olhar pro inchaço, eu jurei que ele iria soltar um "taporra".
Vale lembrar que eu só senti dor mesmo quando eu olhei para o tornozelo, já haviam me dito que era psicológico, mas eu só puder ver para crer. Vamos enfaixar. Em dois meses de recuperação, duas vagas para cargos que muito interessavam apareceram, um convite para um book e vários outros para discotecar em festas de carnaval que me renderiam um cachê ótimo. Tive de recusar todos, que ódio. Vovó Rosa veio em casa para me confortar e dizer, é um livramento meu filho. Tinha de ser por que olha.
Cuidado, olhe mais por você, por que não somos nada, para que as coisas aconteçam basta acontecer, não temos domínio nenhum sobre situação nenhuma. Quando a vida te pede férias e você não as tira, ela dá seu jeito. Fato: eu precisava descansar.