Ler uma crônica
Ler uma crônica é como reclinar-se sobre uma poltrona, com um livro aberto numa das mãos, enquanto a outra segura uma boa xicara de café, bem quentinho.
Sem pressa, as narinas roubam do ar o cheiro que sobe da xícara; os lábios degustam, de instante em instante, o sabor marcante dessa iguaria; os olhos observam, pela janela das letras, as pessoas, as ruas, as horas, as casas, os casos, os sentimentos e todas as outras pequenas frações da vida cotidiana pintadas com letras. Os ouvidos parecem escutar as conversas despretensiosas na companhia sempre próxima e distante, de um velho amigo que, paradoxalmente, é também um ilustre desconhecido.
Quem senta numa poltrona para ler uma crônica não pode ser consumido pela preocupação com a veracidade dos fatos, com a exata localização geopolítica, com a vírgula inconveniente ou ausente. Porque isso esfria o café, rouba-lhe o gosto, relega a um segundo plano o seu aroma; expulsa o amigo desconhecido, que se vai, levando consigo as imagens, as pessoas que conhece, as ruas, as horas, as casas, os casos, os sentimentos. E assim, a poltrona vira “banco”, o leitor vira um analfabeto solitário, cercado de livros, cheios de letras, mas que não lhe dizem nada, porque não sabe mais vê-las ou ouvi-las. E seus olhos, vazios, adormecem! E junto com eles, a cultura literária.
Crato, 29/07/2016.