Execução em massa

          1. A sonda espacial Juno acaba de chegar no subúrbio do planeta Júpiter. Podia escrever hoje sobre este notável acontecimento sideral, usando as informações fornecidas pela NASA, amplamente divulgadas pelo rádio, jornal e televisão.
          2. Para ser mais leve, falar, por exemplo, sobre Júpiter e Juno. Lembrando que, nesse encontro histórico, algo de romântico existe.
          Segundo a mitologia greco-romana, a deusa Juno era mulher de Júpiter, o soberano dos deuses, e pais de cinco filhos: Lucina, Juventa, Discórdia, Marte e Vulcano.
          3. Está nos jornais a primeira foto de Júpiter, o maior e o mais antigo planeta do Sistema Solar. Ela foi tirada por Juno quando a deusa entrou na órbita (subúrbio) do velho e misterioso astro, depois de viajar quase cinco anos. Maravilha!
          Mas sou capaz de apostar que Juno, ao invés dessa foto, sacada de tão longe, teria preferido tirar uma selfie ao lado de Júpitar, após um silencioso desembarque no coração do seu grande amor...
          4. Os nossos aedos poderão, melhor do que eu, escrever sobre este reencontro, registrado numa selfie, tal como minha imaginação acaba de bolar. Ninguém mais do que os poetas pode contar em versos uma cena de amor entre dois deuses em pleno espaço sideral.
          5. Mas, ao invés de me alongar sobre o encontro de Juno com Júpiter, volto a um assunto que já foi tema de uma de minhas crônicas.  
          Há muitos anos, depois de retornar do sertão do Ceará, saí em defesa dos nossos jumentos, que vi abandonados na BR que percorrera. Um quadro de fazer dó!
          6. Por que volto a defender nossos jumentos. Abrindo um jornal de Salvador, li esta infeliz manchete: "Governo vai abater dois mil jegues até outubro". 
          No corpo da matéria, a notícia em detalhes: dois mil jegues serão abatidos no Estado da Bahia. Trezentos já haviam sido executados no frigorifico autorizado.           
          Segundo a Secretaria de Agricultura, a maioria dos animais fora capturada atravessando rodovias. Eles tinham sido abandonados por seus donos.  Lamentáve!
          7. Completando a infausta notícia: "A carne será usada para consumo animal, e o coro será exportado para a China".
          Alegrou-me saber que o Ministério Público Estadual, na cidade de Miguel Calmon, onde os muares serão executados, "vai apurar o caso".
          8. Não é de estranhar que eu continue defendendo nossos jumentos. Sou testemunha de quanto esses humildes animas ajudaram os sertanejos do nordeste de outrora.
          Para conhecê-los melhor, leiam "O jumento, nosso irmão", obra do padre cearense Antônio Vieira. Ele mostra o jegue na História, na Religião, na Economia, no Folclore e na Literatura.
          9. Um dos poemas mais bonitos do poeta alencarino Patativa do Assaré homenageia o indefeso jumento.
          Em "Meu caro jumento", verseja Patativa:           "Eu, ja vivo ciente,/ Eu que lhe conheço bem/ E trago na minha mente/ O valor que você tem,/ Sinto o coração doendo/ Quando lhe vejo sofrendo/ Padecendo tanto horrô,/ Paciente e pensativo,/ Nesta vida de cativo/ Sem ninguém lhe dar valor."
          10. Em "Terra de Sol", o escritor cearense Gustavo Barroso fala com carinho sobre o jumento.
          E conta esta jocosa historinha: "Sua resistência à fome é de tal forma que o sertanejo assim se expressa: em tempo de calamidade só escapam duas nações de gente: sacerdote e jumento".
          11. E finaliza Barroso: "Esta frase é de muita ironia e, em verdade, o sertanejo explica que o jumento tudo devora e o padre passa bem, cria banha e presentes das beatas."
          12. Nada posso fazer em favor dos queridos jumentos, a não ser continuar protestando contra a execução em massa desses ingênuos animais.           
          E lhes manifestar o meu respeito, como o fiz na crônica "Em defesa do jumento", que escrevi no dia 13 de maio de 2007, há, portanto, nove anos...   
 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 14/07/2016
Reeditado em 21/04/2017
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