ELA ERA POESIA

Maria Clara era poesia pura. Trajes de princesa, toda em tons de bege. Seus olhos eram grandes, feito os olhos de sua boneca (Elza), pele alva, olhos grandes e expressivos, cabelos loiros que caiam sobre os ombros, ela era pura poesia, porém não acredita nela. Quem a vestira acreditava em poesia, mas Maria Clara não. Era mais uma menina mimada que ao bater os pés conseguia tudo o que queria. Bastava olhar a submissão do pai, que foi logo dizendo “eu poderia ser o avô”. No colo ela trazia Elza, a boneca poesia. Certamente a ganhara da mãe, trazida do exterior.

Elza era loira, feito sua dona. Elza era tão loira quanto Maria Clara. Mas havia uma ruptura entre as duas. Elza era mais um adorno para aquela princesa. Elza não era um nome poético naquele contexto, era um nome antigo, certamente nome de uma avó, penso que não fora escolha de Maria Clara. Tenho dúvidas quanto a isto. Maria Clara não acreditava em poesia, tenho certeza, pois ao conversar com as duas ela me disse ela é apenas uma boneca. Não tinha dúvidas quanto a isto, nem entrou no mundo de Elza. Vi uma lágrima escorrendo no rosto da boneca quando se sentiu desprezada e encaixada na poltrona da frente a que Maria Clara e seu pai estavam em um voo de Porto Alegre para São Paulo.

Elza era apenas um apêndice na figura principesca de Maria Clara, algo que compunha seu figurino.

Quando eu quis entrar no mundo de Elza e perguntei algo a respeito dela, Maria Clara logo respondeu:

- Ela não fala. É apenas uma boneca.

Na idade de Maria Clara esta é uma percepção muito adulta. Cinco anos é a idade dos sonhos. Acredita-se em tudo e, realidade e fantasia, fazem parte de um mundo só. Depois, ao nos tornarmos adultos, praticamente descartamos as fantasias. Ficam os sonhos que já não são mais perseguidos porque desacreditamos na fantasia. E a poesia que mora dentro do mundo da poesia então: inexistirá para quem não persegue sonhos. Embrutecemos! É tão cedo para desacreditar dos sonhos, em idade tão tenra, pensei. Mas eu posso estar errado...

Bonecas são a chave para o mundo da fantasia. O mundo das bonecas é um mundo poético e aquela boneca era pura fantasia. Descobrir que uma criança não acredita em fantasia dá um choque. Eu senti uma dor profunda naquela hora. Espero que o tempo isto mude para Maria Clara e que aquela boneca em forma de gente, não seja a fantasia dos outros, somente a boneca do amor de alguém...

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03.06.16

MÁRIO FEIJÓ
Enviado por MÁRIO FEIJÓ em 03/06/2016
Reeditado em 04/06/2016
Código do texto: T5656333
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